segunda-feira, outubro 31, 2022

Lula vai enfrentar cenários econômicos altamente negativos, com o país em crise




Por Raphael Martins

Os principais desafios não terminam neste domingo (30) para Lula da Silva, eleito para ocupar a Presidência da República a partir de 2023. O cenário econômico apresenta uma série de complicadores que podem atrapalhar a recuperação após a crise que vem desde os primeiros impactos da pandemia do coronavírus.

Economistas ouvidos pelo g1 apontam as contas públicas como o fator de potencial explosivo para quem vai ocupar a cadeira do Palácio do Planalto pelos próximos quatro anos.

DESACELERAÇÃO – A situação passa também por uma desaceleração da economia, no Brasil e no mundo. Com arrecadação menor, especialistas esperam que o próximo governo seja obrigado a subir impostos para compensar o aumento de gastos permanentes aprovados em 2022.

Mesmo em uma eleição quente, a disputa de projetos ainda é etérea no campo econômico. Lula apenas indicou que reajustará o salário mínimo, retomará investimentos públicos, fará uma reforma tributária e aplicará uma nova âncora fiscal que não seja o teto de gastos.

Mas permanecem muitos detalhes em aberto, em especial sobre o manejo de recursos públicos para realizar suas promessas. Também segue o mistério sobre os ministros da área econômica, o que deixa investidores em compasso de espera.

OTIMISMO IRREAL – Do lado oposto, o ainda ministro da Economia, Paulo Guedes, reitera sempre que “a economia está bombando”, faz comparações positivas com os demais países e diz que pretende avançar em reformas estruturantes.

Guedes costuma ressaltar que o desemprego e a inflação no país estão em queda, enquanto a arrecadação sobe. Economistas alertam, contudo, que esses efeitos são temporários e que os resultados devem inverter o sinal caso os problemas internos não sejam equacionados.

Os principais nós na economia são: Gastos públicos elevados, furando o teto, frustração de receitas, crise fiscal, atividade econômica sem crescimento e ameaça da inflação.

GASTOS PÚBLICOS – É unanimidade entre os economistas ouvidos pela reportagem que a situação das contas públicas é a preocupação principal para o ano que vem. O “xis” da questão é o fato de que o Orçamento não contempla o aumento de gastos aprovados em 2022, e os candidatos não dão clareza do que farão para encontrar as receitas necessárias.

O Auxílio Brasil é um exemplo. O benefício foi fixado com repasse de R$ 400 mensais aos beneficiários. O aumento para R$ 600 foi feito por meio de uma Emenda Constitucional, com validade apenas até dezembro.

Lula promete manter o valor em R$ 600 em 2023. Mas o Orçamento enviado pelo governo Bolsonaro ao Congresso Nacional contempla recurso apenas para pagar um Auxílio Brasil de R$ 405.

FALTAM R$ 51,8 BILHÕES – Pelos cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI), seria necessário redirecionar mais R$ 51,8 bilhões para o programa. Isso apertaria as despesas discricionárias do governo (aquelas que não são obrigatórias) de R$ 115,7 bilhões para apenas R$ 63,9 bilhões no ano que vem.

Em agosto, uma reportagem do g1 apontou as inconsistências no Orçamento enviado para 2023. Além da questão do Auxílio Brasil, há uma série de pontos que tornam a peça irrealista.

Entre elas, o governo federal enviou proposta de um salário mínimo de R$ 1.302 para 2023, novamente sem ganho acima da inflação. Em outro ponto, foram separados apenas R$ 11,6 bilhões para reajustes do funcionalismo. A quantia permitiria um aumento médio de 5%, muito abaixo do que as categorias pleiteiam.

DÉFICIT EM DOBRO – Ao todo, o governo Bolsonaro prevê déficit de R$ 63,7 bilhões no ano que vem. Mas analistas estimam que o rombo será de pelo menos o dobro.

Sem uma peça orçamentária confiável, o mercado financeiro desconfia da capacidade do país de cumprir suas obrigações sem uma explosão de endividamento. A reação costuma ser de saída de dinheiro do país, desvalorização do real e pressão na inflação.

“O mais importante é definir qual vai ser a nova regra fiscal, porque, dadas as promessas, dificilmente o teto de gastos seria compatível”, afirma Daniel Couri, diretor-executivo da IFI.

ORÇAMENTO SECRETO – Segundo o economista, o próximo presidente terá também a missão de sinalizar como a expansão dos gastos pode ser absorvida no médio prazo e como recuperar o poder de manejo sobre o Orçamento, transferido em grande parte ao poder Legislativo pelas emendas parlamentares.

Couri cita especificamente a questão do “orçamento secreto”, que tirou a transparência dos gastos e o potencial de investimentos públicos do país ao diminuir o manejo da parcela não obrigatória das contas. (entenda aqui o que é o orçamento secreto)

“É uma situação que acaba criando um ambiente favorável ao desperdício ou até mesmo aos casos de corrupção. Sem contar a pulverização do poder decisório sobre o Orçamento e a falta de priorização do gasto público”, afirma Couri.

FRUSTRAÇÃO DE RECEITAS – O economista Fabio Kanczuk, ex-diretor do Banco Central e chefe de macroeconomia da ASA Investments, acrescenta que a boa arrecadação dos cofres do governo em 2022 não deve se repetir no próximo ano, por conta da redução da atividade econômica.

“A economia ainda está crescendo, e as receitas tributárias continuam boas porque têm uma defasagem que mascara o aumento de gastos. Quando botarem as contas na ponta do lápis, vão ter um susto. E a saída deve ser um aumento relevante de impostos”, diz Kanczuk.

Segundo a Secretaria da Receita Federal, a arrecadação federal somou R$ 1,64 trilhão nos nove primeiros meses do ano, o que representa alta real de 9,5% na comparação com o mesmo período do ano passado (R$ 1,49 trilhão).

RECOLHIMENTO ATÍPICO – Os números da Receita Federal mostram um recolhimento atípico de R$ 37 bilhões, com efeito de arrecadação sobre a reabertura da economia, o comércio de commodities e o efeito da inflação, que potencializa o percentual de imposto no preço dos produtos.

O economista-chefe da JGP, Fernando Rocha, lembra também que a arrecadação dos últimos meses se beneficiou dos dividendos de estatais acima da média. A Petrobras, por exemplo, teve lucros recordes com o aumento do preço do barril de petróleo no mercado internacional. E a alta da taxa básica de juros do país, a Selic, também aumenta a arrecadação.

Mas analistas alertam que as projeções para 2023 mostram piora do cenário, já que boa parte do efeito de reabertura da economia passou e os juros mais altos começaram a frear a atividade, o que gera menos dinheiro de impostos à frente.

Nota do blog Tribuna da Internet – Eis uma análise realista da situação econômica, que foi solenemente desprezada pelas campanhas de Lula e Bolsonaro, como se o Brasil estivesse no melhor dos mundos de Voltaire. Na verdade, agora Lula terá de cair na real, dizer logo quem será o ministro da Economia (ou Fazenda) e selecionar as duras medidas que terá de aplicar para segurar o tranco interno e externo. Ah, Brasil! (C.N.)

G1 / Tribuna da Internet