terça-feira, setembro 27, 2022

STF combate farra das armas, mas método ainda é prova - Editorial




Arsenal em poder dos chamados CACs cresceu de 350 mil armas para mais de 1 milhão nos últimos anos

Em mais uma demonstração de que o sistema de pesos e contrapesos está em pleno funcionamento na República Federativa do Brasil, o Supremo Tribunal Federal entrou em ação novamente na semana passada. Desta vez, para dar um freio a decretos do presidente Jair Bolsonaro que flexibilizavam a compra e o porte de armas e munições.

Quanto ao mérito, venceu, com folga, o bom senso. Será preciso verificar à frente, contudo, se o método utilizado para destravar o julgamento do caso não terá desdobramentos negativos para o funcionamento da Corte. Isso porque no dia 5 de setembro o relator, ministro Edson Fachin, concedeu liminar para suspender a norma, citando o risco de violência política nas eleições e a demora do ministro Nunes Marques em devolver o processo à pauta.

Nunes Marques havia pedido vista, ou seja, solicitado mais tempo para analisar o assunto. Algo legítimo, mas que muitas vezes é utilizado com o objetivo de impedir a conclusão de um julgamento. Diante do impasse (ou da demora), Fachin concedeu a liminar e levou sua decisão para o plenário virtual. Ela foi referendada pela maioria: apenas dois ministros divergiram do relator, justamente os magistrados indicados pelo chefe do Poder Executivo, o próprio Nunes Marques e André Mendonça.

A preocupação dos outros nove magistrados tem fundamento. Pela estimativa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o arsenal em poder dos chamados CACs - caçadores, atiradores e colecionadores - cresceu de 350 mil armas para mais de 1 milhão nos últimos anos. Esse dado reflete o maior acesso que o grupo, majoritariamente formado por bolsonaristas, passou a ter a equipamentos e munições, inclusive de calibres mais letais.

Segundo publicou o Valor em recente reportagem, um número sem precedentes de armas de fogo chegou ao Brasil nos últimos dois meses. Foram 40.303 revólveres e pistolas em julho e 39.389 em agosto. Em 25 anos, segundo as estatísticas disponibilizadas pelo Ministério da Economia, nunca tantas armas de fogo foram trazidas ao país por mês. Em outras palavras, o equivalente a mais de 1.200 armas de fabricantes estrangeiros entrou por dia no Brasil ao longo desses meses.

Para especialistas, esse movimento teria relação com a possibilidade de um endurecimento das regras em caso de mudança de governo a partir de 2023. Afinal, algo parecido ocorreu nos Estados Unidos, quando americanos adeptos de armas ampliaram seus arsenais diante da perspectiva de vitória do Partido Democrata nos pleitos de 2008 e 2020, antes das eleições de Barack Obama e Joe Biden, respectivamente.

Sendo certeira ou não essa comparação feita pelos especialistas, o fato é que o aumento da circulação das armas de fogo no país trouxe variados problemas para a área de segurança pública. O jornal “O Globo”, por exemplo, revelou que investigações das polícias de quatro Estados apontaram a atuação de pessoas registradas como CACs no fornecimento de armas e munição para o crime organizado. A clientela seria formada por quadrilhas especializadas em roubos de grandes quantias por meio de ataques a agências bancárias e transportadoras de valores.

Para o ministro-relator, contudo, o cenário eleitoral havia tornado ainda mais urgente a tomada de uma medida cautelar. “Deve-se indagar se a facilitação à circulação de armas na sociedade aumenta ou diminui a expectativa de violência provada. Penso que se deve concluir pelo aumento do risco e consequente violação do dever de proteção pelo Estado”, anotou Fachin em seu voto.

Esse cenário é ainda mais grave diante da constatação de que os chamados CACs têm utilizado o chamado “porte de trânsito” para circular pelas ruas do país, alegando que estão se dirigindo para clubes de tiro com o objetivo de treinar ou praticar esporte. De uns tempos para cá, foram criados estabelecimentos desse tipo de alcance nacional ou com funcionamento 24 horas por dia, uma artimanha para justificar a circulação de armas e munição em qualquer horário e local.

Ganha importância também, portanto, a possibilidade de o Judiciário analisar o funcionamento dos clubes de tiro no dia da eleição. A ideia foi apresentada ao presidente Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por chefes das Polícias Civis.

Valor Econômico