terça-feira, setembro 27, 2022

‘Brasil se beneficiará se for visto como país previsível e confiável’, diz Yergin




Para “papa” do petróleo, Brasil vai ganhar caso se estabeleça como um país que olha para o futuro

O Brasil pode se beneficiar de um olhar de longo prazo na área de energia capaz de garantir a entrada de receitas mesmo em momentos de crise. Atingir esse objetivo depende, porém, de ter regulações e políticas previsíveis e confiáveis, de modo a atrair investimentos. A visão é de Daniel Yergin, um dos maiores consultores de energia do mundo. Vice-presidente do conselho de administração da consultoria S&P Global, Yergin diz que, independentemente do resultado das eleições presidenciais, é positivo para o Brasil “estar aberto ao mundo”.

Yergin tem três livros publicados, sendo que “O Petróleo” ganhou o prêmio Pulitzer. O mais recente, “The New Map”, foi lançado no fim de 2020 e ainda não tem tradução para o português. Na obra, Yergin identificou que a Ucrânia poderia ser o tema que levaria a tensões entre o Ocidente e a Rússia. Hoje Yergin participa, de forma virtual, da Rio Oil and Gas, maior evento do setor na América Latina, que vai até quinta-feira.

Ele disse que o Brasil precisa dar atenção a outro tema que também destaca em “The New Map”: a maior competição de poder entre os Estados Unidos e a China. Ele afirmou que o mercado de energia ficou mais dividido e arriscado depois da invasão da Rússia à Ucrânia e das sanções contra a energia russa. “O mundo ainda vai precisar de petróleo por um tempo.” Veja a seguir os principais pontos da entrevista de Yergin, concedida por escrito, ao Valor. 

Valor: Quais são as suas conclusões sobre a atual crise de energia?

Daniel Yergin: A crise global de energia começou há um ano, quando os mercados se tornaram apertados rapidamente e agora essa crise se juntou a uma crise geopolítica global. Mas é importante notar que já existia uma crise global de energia antes de a Rússia invadir a Ucrânia. Os preços hoje estão altos e o que era um mercado globalizado agora se tornou um mercado dividido, com mais riscos. A Europa, que era o maior mercado para as exportações de energia da Rússia, está determinada a fechar a porta para a energia russa. Outra mudança foi como o GNL passou a ser visto como um grande ativo estratégico.

Valor: Como esse cenário impacta a posição do Brasil no mercado?

Yergin: O Brasil é um importante produtor de petróleo, com localização que contribui para a diversificação global e pode se beneficiar da contínua demanda global por petróleo. Mas é importante lembrar que haverá competição global pela atração de investimentos. Ser competitivo e confiável trará benefícios ao Brasil nos próximos anos. O mundo ainda vai precisar de petróleo por um tempo.

Valor: O que o Brasil precisa discutir nesse momento de eleições presidenciais no setor de energia?

Yergin: Hesito em dar conselhos em meio a eleições presidenciais. Mas eu diria que garantir que o Brasil seja visto como um país previsível e confiável em termos de regulação e políticas continuará a atrair investimentos para o país e mantendo-o competitivo. Estar “aberto” ao mundo é positivo. Seja quem for o presidente, o Brasil vai se beneficiar de se estabelecer como um país que olha para o futuro e que, assim, garante receitas para atender às necessidades mesmo durante as inevitáveis crises do mercado do petróleo.

Valor: Qual vai ser o papel da Rússia no mercado de energia?

Yergin: A Rússia é uma superpotência energética, mas está gastando capital político e, depois de ter perdido o mercado mais importante, pode deixar de ser. O país está sem acesso à tecnologia e ao investimento ocidental. E ainda vai ser uma superprodutora, mas a produção deve começar a declinar. Vamos ver como vai ser a disrupção no mercado de petróleo no início de dezembro, quando as sanções contra o petróleo bruto russo entrarem em vigor. Para onde esse óleo vai? E a qual preço?

Valor: O que significou para o mercado de petróleo o aumento do foco na segurança energética desde que começou a guerra na Ucrânia?

Yergin: As pessoas haviam se esquecido da segurança energética. Na Europa, significa prestar mais atenção ao petróleo e ao gás e também ao carvão. Os hidrocarbonetos suprem 82% da energia global.

Valor: E o efeito nas renováveis?

Yergin: Os governos estão buscando garantir fornecimento confiável. As renováveis vão crescer rápido, o que será uma contribuição para a segurança energética, mas são também fontes intermitentes [não têm produção contínua], e a confiança é um requisito importante. O crescimento das renováveis e dos carros elétricos levanta novas questões sobre a escala dos minerais que vão ser necessários para atender a esses mercados.

Valor: Qual é a importância do hidrogênio como fonte de energia?

Yergin: O hidrogênio mal aparecia entre os temas do setor há três ou quatro anos. Agora se fala em todos os lugares, tanto com o objetivo de usá-lo como um gás na geração elétrica quanto para aquecimento. As empresas estão trabalhando nisso. A União Europeia diz que pode ter 25% do consumo de energia atendido pelo hidrogênio até 2050. Mas vai levar de três a quatro anos para que as dimensões que o hidrogênio pode tomar como fonte de energia se tornem mais claras. Ainda é necessário demonstrar habilidade de escala.

Valor: O hidrogênio pode substituir o petróleo e o gás no futuro?

Yergin: Acho menos provável que o hidrogênio substitua o petróleo no setor de transporte. As verbas para desenvolvimento estão focadas nos veículos elétricos. Se todos os planos e cenários se concretizarem, o hidrogênio pode se transformar em um grande gás para fins energéticos. Mas também há a possibilidade de se produzir hidrogênio via gás natural.

Valor: Depois das mudanças no mercado, o senhor se arrepende de algo que escreveu nos seus livros?

Yergin: O mundo da energia está em constante mudança. “O Petróleo” foi uma história do petróleo e da geopolítica até aquele momento. Já “A Busca” cobriu todo o espectro energético e acho que resistiu ao tempo. O “The New Map” é contemporâneo, está claro que descreve tendências atuais. Escrevi ali que a Ucrânia seria o tema que levaria a tensões entre a Rússia e o Ocidente e foi o que aconteceu, infelizmente. Os capítulos sobre o que vem adiante, com a maior concorrência por poder entre a Rússia e os Estados Unidos, devem ser lidos atentamente. É tema significativo para o Brasil.

Valor Econômico