sexta-feira, agosto 26, 2022

Sob Bolsonaro, abertura comercial ficou na promessa - Editorial




Ao adotar um “liberalismo whey”, governo se viu refém do lobby dos ineficientes que só querem proteção

Jair Bolsonaro fez campanha em 2018 apresentando-se como um liberal. No programa de governo havia uma defesa enfática da abertura comercial: “A evidência empírica é robusta: países mais abertos são também mais ricos”. Correto. O que fez no governo? Muito pouco, se algo. Na semana passada, ele festejou ao anunciar a redução dos impostos de importação de suplementos alimentares, como whey protein, acessórios para motociclistas e praticantes de asa-delta. As medidas, disse ele, favorecem o “pessoal que gosta de malhar”. Esqueceu-se, porém, de olhar para o “pessoal que gosta de produzir”.

O Brasil tem uma das economias mais fechadas do mundo. Sem poder importar componentes melhores e mais baratos que os fabricados localmente, o país produz e exporta menos do que poderia. No mercado interno, pagamos mais por produtos piores. Nossa eficiência é baixa, a produtividade patina, e a geração de renda e de empregos pena para deslanchar. Persistem a miséria e a pobreza que tanto afligem a população.

Uma simulação feita pela Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos (Seae) da Presidência ainda no governo Michel Temer estimou que uma abertura comercial ampla, zerando alíquotas não só do whey ou das jaquetas de moto, reduziria os preços de serviços e produtos em cerca de 5% ao largo de toda a economia. Nos setores mais protegidos, como maquinário ou têxtil, a queda ficaria entre 6% e 16%. Depois da abertura, 75% dos setores da economia experimentariam expansão do emprego. Haveria, claro, perdedores. Isso exigiria investimentos em requalificação de mão de obra. O saldo, porém, seria amplamente positivo.

Para promover uma abertura dessa envergadura, zerando alíquotas sobre milhares de produtos, seria preciso vencer o lobby de quem se beneficia das portas fechadas e investe nos discursos vazios em defesa da indústria nacional. A proteção indiscriminada não funciona há muito tempo, como mostram os dados de exportação de manufaturados, a improdutividade crônica e a desindustrialização progressiva.

A perda de peso da indústria não é exclusividade brasileira. O que caracteriza a indústria nacional é a produtividade sofrível, incapaz de permitir competir em escala global. A indústria ganharia muito se pudesse importar máquinas, equipamentos, produtos de telecomunicações e informática sem pagar tarifas extorsivas. O estudo da Seae deixou claro que isenções pontuais, obtidas à custa de lobby e medidas excepcionais, são um remendo. A melhor solução para a improdutividade é a abertura, uma espécie de incentivo para a “indústria que gosta de malhar”.

Bolsonaro, infelizmente, falhou nesse front. Houve, é verdade, outras reduções de tarifa além do surto recente de “liberalismo whey”. No cômputo geral, porém, foram insuficientes.“Uma parte dos cortes tarifários tem duração até o final de 2023. A justificativa foi aliviar os impactos na inflação da pandemia e da guerra na Ucrânia”, diz Sandra Rios, diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento. Em vez de equipamentos para os frequentadores de suas “motociatas”, Bolsonaro deveria ter pensado no país e realizado uma abertura mais ampla. Os ganhos para o Brasil teriam sido bem maiores.

O Globo