País não atingirá meta de crescimento em razão da política de ‘Covid zero’ e do estouro da bolha imobiliária
O acirramento da tensão entre China e Estados Unidos em torno de Taiwan deixou em segundo plano um problema de consequências mais imediatas nos mercados globais: o resfriamento da economia chinesa. Pelas projeções, ela não atingirá a meta de crescer 5,5% neste ano. Ficará pouco acima de 3% ou 4%. É um resultado que foge ao padrão e à necessidade de gerar renda e emprego para 1,4 bilhão de habitantes.
Os indicadores de julho mostraram uma perda de sustentação geral. A produção industrial cresceu 3,8% ante julho do ano passado, aquém dos 4,6% esperados. Com as vendas no varejo aconteceu o mesmo: 2,7% de aumento, bem abaixo dos 5% projetados e dos 3,1% registrados em junho.
Uma das causas é a ferrenha política de “Covid zero” seguida por Pequim desde o início da pandemia. Prédios podem ser interditados se um só morador testar positivo, e cidades, não importa o tamanho, são postas em lockdown absoluto caso o foco se amplie. Ocorreu com Xangai e seus 25 milhões de habitantes por dois meses. Desde a semana passada, dezenas de milhares de turistas ficaram retidos em Sanya, na Ilha de Hainan, que vive um surto sem previsão para o fim do lockdown.
Outra causa da paralisia econômica é o esvaziamento de uma bolha imobiliária. A primeira evidência das dificuldades surgiu no segundo semestre do ano passado, com a insolvência da gigantesca incorporadora Evergrande, afundada numa dívida de US$ 300 bilhões. Em vez de ter promovido a tempo a desalavancagem que o nível de endividamento do país recomendaria, na última segunda-feira o banco central chinês se viu obrigado a determinar que as maiores instituições financeiras estatais ampliassem empréstimos, ao mesmo tempo que cortou juros de linhas importantes de crédito. Os bancos convocados a agir terão US$ 29,3 bilhões para oferecer às incorporadoras imobiliárias em apuros.
Os operadores chineses reclamam por ações mais incisivas de Pequim, como as tomadas na crise deflagrada em 2008 pelo estouro de uma bolha semelhante no mercado imobiliário americano. O primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, declarou no mês passado que o governo não tomaria medidas fortes de estímulo. Depois da confirmação de que a economia chinesa cresceu apenas 2,5% no primeiro semestre, Li convocou os dirigentes de seis províncias que respondem por 45% do PIB do país para ajudar na recuperação da economia. É incerto o que farão.
Nos primeiros sete meses do ano, os investimentos em produção cresceram 5,7%, abaixo da previsão de 6,2%. Por inevitável, o mercado de trabalho reage negativamente e pune os mais jovens. Na faixa de 16 a 24 anos, o desemprego beira os 20%. Conter a crise no setor que representa de 20% a 30% do PIB é a prioridade para o governo de Xi Jinping, que espera o XX Congresso do Partido Comunista ainda neste ano para receber o aval a seu terceiro mandato consecutivo e se firmar como dirigente mais poderoso desde Mao Tsé-Tung. Não estava em seus planos esta crise. Nem nos do planeta.
O Globo