sábado, maio 28, 2022

Sob o comando do Centrão, mais negócios suspeitos - Editorial




O Centrão ameaça ter mais controle sobre o Congresso, engrossando suas bancadas nas eleições

Assim como Jair Bolsonaro, por atitudes e palavras, desvaloriza a função de presidente, o Centrão, que domina a Câmara dos Deputados, desmoraliza o Legislativo, tornando-o um balcão de negócios suspeitos e sem controle. As emendas secretas são a essência da forma de atuação de PP, PL e demais siglas fisiológicas - bilhões de reais transferidos em segredo, sem que se saiba quem pediu e quem recebeu. O presidente da República, que sempre foi do Centrão em seus 28 anos de inútil carreira parlamentar, pagou sorrindo o preço de ter a tranquilidade de que não enfrentaria um processo de impeachment.

Aos poucos, a reação ao escândalo das emendas do relator cresceu. Alvejada pela ministra Rosa Weber, do STF, a Câmara foi obrigada a traçar a rota dos recursos: quem pediu, quanto, a quem se destinava e com qual objetivo. O Legislativo cumpriu pela metade a exigência, enviando um cartapácio de relatórios listando 330 deputados, com muitas lacunas. Agora foi a vez do Tribunal de Contas da União entrar em ação e bloquear parte da farra com o dinheiro das emendas destinadas à Codevasf, dirigida por Marcelo Pinto, ex-chefe de gabinete de Ciro Nogueira, da Casa Civil.

A estatal, que no governo Bolsonaro ganhou como área de atuação o Norte do país, deixou de ser uma empresa que cuidava dos recursos hídricos do Vale do São Francisco e Parnaíba para tornar-se outra, que faz pavimentação de rodovias e compra máquinas agrícolas, por exemplo. Desde que o Centrão assumiu o poder, jorrou dinheiro para a Codevasf. As emendas de parlamentares saltaram de R$ 300 milhões em 2018 para R$ 2,1 bilhões em 2021, já sob a égide da emenda secreta. A dotação para pavimentação passou de R$ 1,3 bilhão para R$ 3,4 bilhões no mesmo período.

A Codevasf tem projetos rápidos para gastos imediatos, receita que sempre atrai os políticos, especialmente os do Centrão. Os resultados aparecem há meses. Houve superfaturamento na compra de centenas de tratores e máquinas agrícolas pela empresa.

Em seguida vieram as pavimentações de quinta categoria, feitas por uma empresa do Maranhão que nas licitações concorria com outra, dos mesmos sócios. Foram criados “contratos guarda-chuva”, com definições genéricas baseadas em modelos de rodovias que não existem e que podem valer para um Estado inteiro. O TCU sentiu que havia algo errado nisso e suspendeu novas ordens de serviços a partir de 29 pregões eletrônicos realizados em 2020. (Folha de S. Paulo, ontem).

Segundo o TCU, a Codevasf deixou abertos espaços para “direcionamento indevido da realização de obras e ocorrência de conluio entre empresas e agentes públicos e políticos”. O zelo dos deputados é digno de nota. Em 35% dos 78 ofícios examinados, constatou-se que os parlamentares faziam referência até sobre o tipo de pavimento a ser utilizado e a via a ser reparada. Há entre as obras estradas em bom estado, que não precisavam de reforço de pavimentação algum.

Essa conduta se repetiu em outra frente de negócios suspeitos, a do superfaturamento dos caminhões compactadores de lixo, que viveram o milagre da multiplicação, depois do surgimento das emendas do relator - entrega de 85 antes e 488 agora (O Estado de S. Paulo, 22 de maio). Há diferença de preços estimada em R$ 109 milhões. Os chefões do Centrão aparecem nelas. Barra de São Miguel, cujo prefeito é o pai de Arthur Lira, presidente da Câmara, aparece mais uma vez como aquinhoado - em um par de anos foram 3 caminhões para uma cidade de 8 mil habitantes. Os técnicos consideram que o uso deste tipo de veículo é antieconômico em lugares com menos de 17 mil pessoas.

Há cidades que não têm sequer aterro sanitário, mas que receberam caminhões. O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, empenhou-se com afinco para fornecer à cidade de Brasileira (PI), dirigida por uma correligionária do PP, um caminhão, vendido por empresa de uma amiga que costuma frequentar seu gabinete.

A desfaçatez do Centrão com as emendas secretas é estimulada pela certeza da impunidade. Com seu apoio, a lei de improbidade administrativa foi modificada e uma das principais mudanças foi a necessidade de comprar intenção nos atos lesivos ao patrimônio público. O número de inquéritos caiu à metade depois disso.

O Centrão, como Bolsonaro, só se preocupa com familiares, amigos, correligionários e, claro, intermediação de obras. Ameaça ter mais controle sobre o Congresso, engrossando suas bancadas nas eleições.

Valor Econômico