terça-feira, maio 31, 2022

'Rejeição vai decidir eleição', diz especialista




Palácio do Planalto

Professor do Insper também destaca que terceira via tem poucas chances de conquistar a presidência da República

Por Cristiane Noberto

A eleição presidencial deste ano terá uma característica semelhante à de 2018: tem tudo para ser decidida pela rejeição. Se na última corrida presidencial o que definiu a vitória de Jair Bolsonaro foi o antipetismo, agora o que pode dar a vitória ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem tudo para ser o antibolsonarismo. A avaliação é de Carlos Melo, cientista político, mestre, doutor e professor do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa).

Ramiro Batista e o Datafolha:

'10 sacadas sobre a pesquisa em que Lula cresce e Bolsonaro trava'

Ele salienta que o petista não está agregando apenas votos que naturalmente já seriam dele, mas, também, votos de eleitores que não escolhem Bolsonaro de jeito algum. "São votos contrários ao presidente, muito por conta de sua figura controversa. Tem uma série de questões indo mal e que não colaboram com a campanha dele", observa, salientando, porém, que Bolsonaro tem possibilidades de ser reeleito.

Melo afirma, ainda, que pelo que se pode compreender das pesquisas, o eleitor já decidiu quem escolherá em outubro. E isso não ajuda as candidaturas da terceira via, que teria pouca capacidade de virar escolhas que, para o professor do Insper, já estão consolidadas. "Pesquisa do Ipespe diz que 68% dos entrevistados também já diz ter definido seu voto mais cedo e isso em anos anteriores, nessa altura do campeonato, significava 44%", destaca. A seguir, leia os principais trechos da entrevista.

Definição

A rejeição está mais decisiva do que a aprovação. Em 2018, foi a eleição do antipetismo. Bolsonaro se engana quando pensa que ganhou por seus méritos. O sistema queria um candidato outsider e, entre todos, ele foi o escolhido. Era o que parecia estar mais afastado do centro de poder, mas foi uma eleição do antipetismo. Essa eleição de agora está mostrando o antibolsonarismo. Há uma adesão a Lula por ser o candidato que está se colocando assim. 45% não são só voto de petistas; são votos contrários ao presidente, muito por conta de sua figura controversa. Tem uma série de questões indo mal e que não colaboram com a campanha dele. Contudo, claro que Bolsonaro pode ganhar. Mas, se as eleições fossem agora, com os olhos de hoje, me parece um grande desafio.

Pesquisa

Tem algumas coisas nas pesquisas que parecem interessantes. O Datafolha aponta para a liderança do ex-presidente Lula. É o mais tradicional instituto de pesquisas e é bastante respeitado. Também parece confirmar um certo viés, de que o petista está consideravelmente à frente e que ele tem a seu favor o voto feminino e dos jovens. Por outro lado, Bolsonaro tem cerca de um terço do eleitorado, mas uma rejeição muito grande, mostrada pela pesquisa do Ipespe. 68% dos entrevistados também já dizem ter definido o voto mais cedo e isso, em anos anteriores, nesta altura do campeonato, significava 44%. Então, parece ter pouco espaço para outros candidatos que não sejam Lula e Bolsonaro.

1º ou 2º turno?

A terceira via parece muito espremida nesse processo todo. O número de pessoas que não votariam em um nem outro (Lula e Bolsonaro), que é o potencial da terceira via, vem caindo gradativamente e significativamente. Esse número já foi em algo de 30% e, agora, são 16% para serem divididos por uma penca de candidatos, como Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB), André Janones (Avante), Luciano Bivar (União) e candidatos menos expressivos. Me parece que é muito difícil ter uma coisa diferente de Lula e Bolsonaro disputando a eleição, que pode ser definida no primeiro turno. Eu ainda trabalho com a hipótese do segundo turno, mas não dá para descartar um breve desfecho.

Aprendizado

Há entre militantes petistas esse tipo de euforia, mas não tenho certeza se há esse clima em relação à campanha de Lula. A história ensina. Em 2018, tinha uma impressão de que o brasileiro não votaria em Bolsonaro, e foi um erro brutal que fez não buscar ampliar a candidatura de (Fernando) Haddad. Houve tentativas de conversa com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mas a campanha se estreitou muito. Não vejo isso ocorrer nesse momento. Lula tem procurado conversar com o PSDB, o MDB, está focado em ampliar palanques como não fez em 2018. Há um cuidado um pouco maior agora. Se a história não ensinar que essa euforia é um erro, e que essa euforia se demonstra na urna, é um erro infantil.

Minas

É o segundo maior eleitorado do Brasil, um campo de batalha muito forte, mas é um estado que muda. Por exemplo: São Paulo tende a ser mais conservador, não votar em candidatos do PT. A Bahia, por outro lado, tende a votar nos petistas. Rio de Janeiro e Minas são mais voláteis e é sempre uma eleição muito importante. O que me parece é que Lula está na frente nesses dois estados. O PT fez uma concessão grande para abrir esse palanque mineiro: abriu mão de candidato ao Senado — pragmatismo puro. Mas, quando isso aconteceu, o (governador Romeu) Zema, que vinha com discurso ambíguo, não se comprometendo com Bolsonaro — não restou alternativa, já que o Lula tem um grande potencial de votos — teve que se deixar abraçar por Bolsonaro.

Centro

É um problema qualificar esse grupo todo como "centro democrático", pois a maior parte, na verdade, é Centrão. O centro democrático se posiciona em torno de liberdades individuais de direitos, políticas baseadas no liberalismo. Essas pessoas podem não se alinhar com o Lula, mas não vejo se alinhando com Bolsonaro. Trocaria esse termo por Centrão ou franjas do Centrão em outros partidos, como PSDB e MDB. Aí, sim, poderiam se alinhar com Bolsonaro.

Conservadores

São parcelas de vários partidos por conta de interesses locais, distribuição de verbas, ocupação de espaço no governo com certas tendências. Uma parte desses partidos mais conservadores e mais favorecidos na distribuição de recursos nos últimos tempos deve escolher um lado. Mas não vejo as pessoas sendo conduzidas por um líder que foi derrotado para votar neste ou naquele candidato.

Migração

Só houve uma única vez, em 1989, quando o voto brizolista virou para Lula. Leonel Brizola realmente transferiu seu capital político para o petista. Mas você não vê isso agora. "Os meus eleitores vão votar no candidato tal porque eu recomendo" — isso não existe. Existem só dois líderes realmente carismáticos para conduzir este processo: Bolsonaro e Lula. Se Lula ficasse do lado de fora do segundo turno, seus eleitores têm tendência específica, e vice versa. Agora, os demais candidatos, não vejo. Vejo bases tentando influenciar as bases locais não porque querem, mas porque a região assim exige.

Economia

É muito difícil sair do campo da economia porque a situação vai muito mal. Tem um grau de desemprego muito grande, e empregos precários, queda na renda. A gente precisa colocar isso numa perspectiva do país todo: queda de renda, inflação de dois dígitos, salário mínimo decrescente depois de tanto tempo. Pela primeira vez, a fome no Brasil é maior que a média mundial. São questões econômicas prementes. Lula está bem no eleitorado feminino porque quem entende de economia são as mulheres. Elas sabem o preço de tudo. Diria mais: nesse processo de pandemia, quando morreram quase 670 mil pessoas, foram as mulheres que cuidaram, que têm vivido a tragédia cotidiana. A economia e o voto feminino são os temas da campanha.

Recall

As pessoas estão procurando algo, ao contrário de 2018. Naquela época, queriam o outsider, um cara que não estivesse "com os que estão aí". Agora, porém, as pessoas procuram alguém com experiência capaz de tirar o país de onde está. Quando você olha para a candidatura de Bolsonaro e de Lula é, sim, um recall. Essa nostalgia tem sido muito comum do ponto de vista tecnológico, economia e sociedade, e ninguém consegue olhar muito para o futuro. Eu concordo que o PT tem esse problema de conseguir olhar para o futuro e se acautelar, precaver, se adiantar, se proteger. É muito difícil.

Crescimento

O que a gente pode esperar é a tentativa de fazer um crescimento rápido da economia, enquanto não conseguem olhar para o futuro. Vão tentar forjar um crescimento rápido, com políticas que induzam ao crescimento, criar empregos e aumentar renda, a continuidade de programas de distribuição de renda e, talvez, em volumes até maior, com expectativa de criar trabalhos locais. No governo Lula, lá atrás, embora o mundo seja muito diferente, quando não se consegue olhar para um futuro mais longo, resta olhar para o futuro imediato, promover renda imediatamente para pensar em algo mais sustentável em longo prazo que realmente signifique sanar um problema estrutural.

Estado de Minas