Por Malu Gaspar (foto)
Uma das grandes habilidades de Jair Bolsonaro é tomar para si o protagonismo na arena política. Sua especialidade é fabricar brigas para vender a ideia de que é um herói lutando contra inimigos poderosos: o establishment, a fraude nas urnas, o comunismo.
Uma vez que a cortina de fumaça distrai o público, ele passa à próxima guerra — e assim por diante. Na batalha mais recente, porém, o presidente e seu time parecem claudicantes. Talvez porque o inimigo, a Petrobras, não seja um agente externo como o Supremo.
Bolsonaro luta contra uma companhia controlada por seu próprio governo. A ameaça da alta dos combustíveis não é fake como a fraude nas urnas. E a solução preferencial do Planalto — intervir para segurar os preços —já traz a patente de seu maior adversário na eleição, o PT.
Duas cenas recentes ilustram a conjuntura bizarra. Na terça-feira, o presidente passou por um constrangimento ao desabafar a seguidores no cercadinho do Palácio da Alvorada:
"É sempre aquele discurso fácil de salvar, de ajudar. A gasolina vai voltar a R$ 3 o litro...", reclamou, para depois arrematar: "No mundo todo é R$ 12, só aqui que vai voltar a R$ 3?"
Os apoiadores entenderam que Bolsonaro baixaria o preço da gasolina para R$ 3 e começaram a comemorar, para aflição do presidente: "Não, espera aí! Espera aí! É o que o cara diz!"
O cara, claro, é Lula.
Horas depois, na Suíça, o ministro Paulo Guedes foi questionado por um empresário sobre as eleições brasileiras e já foi logo botando o PT na resposta: "Eles são piores que a gente".
Desqualificar o adversário político faz parte do jogo. O problema é tentar desqualificar alguém que se tenta imitar.
Depois de passar três anos se contrapondo aos governos petistas, professando a fé liberal e prometendo privatizações, Guedes e Bolsonaro parecem, de repente, ter descoberto que não gostam mais do liberalismo. Querem que a Petrobras entube um prejuízo bilionário segurando (quem sabe, até baixando) os preços, no momento em que o petróleo está em alta no mundo todo.
Com a demissão do presidente da companhia, mostraram que estão dispostos a sacar dos cargos quantos conselheiros e diretores for preciso para conter a alta e garantir a reeleição.
Até parece que não sabiam que, ao quebrar o monopólio da empresa no refino e na distribuição dos combustíveis, abriam mão de poder baixar os preços na marra. Hoje, como 27% do diesel e 15% da gasolina que consumimos vêm de fora, fazer isso significa enfrentar o desabastecimento, já que nenhum operador privado vai querer importar com prejuízo.
Ou, claro, significa fazer com que a Petrobras traga sozinha todo o petróleo para abastecer o país, absorvendo um rombo digno dos tempos de Dilma Rousseff e ainda quebrando os importadores.
A inflação é um flagelo de difícil solução, ainda mais porque as causas estão fora do Brasil. Mas isso não quer dizer que não houvesse alternativas.
Desde que a crise começou, várias vezes foram oferecidas ao governo propostas de subsídio por tempo definido e dirigido aos setores mais afetados pela alta — como os consumidores de gás de cozinha e os caminhoneiros. Foi com iniciativas assim que Michel Temer atravessou a crise que provocou a greve dos caminhoneiros em 2018.
Tais programas custaram R$ 7,5 bilhões, bem menos que os R$ 38 bilhões que a Petrobras entregou ao Tesouro em dividendos. Se não resolvessem a questão completamente, teriam boas chances de ser aceitos pelo Congresso, como foi o auxílio emergencial.
Amorteceriam ao menos parte do efeito inflacionário e sairiam mais barato para o governo que a destruição de valor que Bolsonaro e Guedes estão promovendo na Petrobras. Além disso, já poderiam estar em curso, caso Bolsonaro não tivesse dedicado os últimos dois meses a brigar com a companhia para fazer mudanças que demorarão e talvez nem ocorram a tempo de fazer efeito na campanha eleitoral.
O que espanta, no caso, não é que o presidente tenha de novo recorrido ao tumulto para tentar escapar à cobrança do eleitorado, mas a facilidade com que entrega aos adversários o monopólio da narrativa política.
Ao buscar convencer o país de que está tentando resolver o problema, mas é impedido pela “Petrobras Futebol Clube”, está dizendo, no fundo, que está perdido diante da crise a cinco meses da eleição.
Se a única solução que lhe ocorre é copiar o PT, Bolsonaro tem um problema real. Por que se deveria acreditar que, como diz Guedes, este governo é melhor, quando tenta fazer exatamente o que o adversário faria —e, o que é pior, não consegue?
O Globo