sexta-feira, maio 27, 2022

Medidas de Bolsonaro e amigos vão asfixiar governo de 2023




País enfrenta descrédito, e até a eleição o estrago pode aumentar ainda mais

Por Vinicius Torres Freire

O Congresso está agitado. Vota leis às baciadas no "esforço concentrado" de aprovar medidas eleitoreiras e outros favores antes do recesso da eleição, que começa em julho. No país, parece haver a impressão de que algo acontece. Não se trata de novidades, mas apenas de pedaços do desabamento da nossa ruína progressiva, como a matança no Rio.

A fome aumenta, com a maior inflação em quase 20 anos e os menores salários médios em pelo menos uma década. Montes dos mais pobres estão largados nas calçadas mais ricas do país, mas não há notícia de revolta ou de saques de comida. Talvez o Bolsa Família ou seu sucedâneo, o Auxílio Brasil, sirva para manter o horror em fervura baixa, quem sabe o prognóstico mais certeiro para o futuro nacional.

Não aparecem mais "manifestos" ou "cartas de repúdio" às ameaças de golpe ou à destruição ambiental de fato. Não se trata mais dos mortos e dos sequelados da Covid, com exceção dos parentes e amigos desse mais de milhão de pessoas (666 mil mortos, por baixo, talvez 20% mais, fora aqueles que sofrem as consequências duradouras da doença).

Mas, como se dizia, o Congresso está agitado, até mais do que o governo, que terceirizou medidas eleitoreiras para seus regentes parlamentares. Aprovam subsídios, descontos de impostos, prorrogações de favores fiscais, favores para empresas embutidos em medidas privatizantes etc.

Ainda que a arrecadação de todos os governos (federal e regionais) tenha crescido muito, o setor público continua deficitário (isto é, faz dívida para pagar as contas, mesmo sem levar em consideração a despesa com juros).

Qualquer que seja ou venha a ser o resultado da arrecadação, vai haver menos dinheiro entrando em 2023 por causa de favores fiscais. A arrecadação de resto deve crescer menos, pois foi favorecida desde o ano passado por inflação e preço de commodities em alta.

Em 2023, qualquer governo terá de dizer como vai evitar o crescimento da dívida pública, o assunto primeiro e central de quem se eleger. Será um choque de realidade para os eleitores ou, se não houver solução para esse problema, a coisa toda começa a ir para o vinagre já no ano que vem.

O país parece esquecido disso tudo, como se estatelado por uma espécie de "burnout" ou estafa de crise, pela zoeira contínua de atrocidades ou viajando sob efeito das drogas de tretas e fofocas de internet. Talvez acredite que não seja possível fazer nada a não ser esperar até a eleição.

E eleição de quê? De qual programa? Bolsonaro reafirma a cada dia seus planos reacionários (Pátria, Deus, família, armas, controle do Supremo etc). Seus amigos começam a avançar ideias como a privatização da saúde e o fim do SUS. Mas sabe-se lá o que vai sair do seu cinto de atrocidades. No mais não há conversa, além daquela dos círculos de quadros melhores do país, ignorados até agora.

Por enquanto, o PT vem com a história de "bota o retrato do velho outra vez, bota no mesmo lugar" —assim, os "bons tempos" vão voltar. O que sobrou da Terceira Via é uma ficção à procura de financiamento e apoio político, quase todo debandado para Lula ou Bolsonaro.

Enquanto isso, as condições de tocar um governo a partir do ano que vem vão sendo ainda mais solapadas, vide o "esforço concentrado" do Congresso até agora e outras intenções dementes (como suspender reajuste de energia, conta que estouraria no próximo mandato), para ficar apenas na economia. Educação destruída, ruína das instituições de controle, das agências reguladoras ou da fiscalização ambiental parecem até assunto de luxo.

Pelo andar da carruagem, até a eleição o estrago pode aumentar ainda mais.
 
Folha de São Paulo