terça-feira, maio 31, 2022

Futuro nebuloso para a Petrobras - Editorial




A título de conter os preços dos combustíveis e melhorar suas chances eleitorais, Bolsonaro desafia as barreiras administrativas e legais, pondo em risco a saúde da estatal

A Lei das Estatais, aprovada pelo Congresso em 2016, foi um marco na história do País. Em resposta aos escândalos revelados pelas investigações da Operação Lava Jato e aos prejuízos bilionários registrados pela Petrobras e Eletrobras, o Congresso conseguiu aprovar, em menos de um ano, uma legislação capaz de impor às empresas princípios de transparência e responsabilidade, como requer a administração pública, e aliá-los a regras de governança corporativa típicas do setor privado. O fato de ainda não ter completado seis anos de vigência e de suas bases já estarem sob ataque intenso do Executivo diz muito sobre a natureza do governo Jair Bolsonaro.

Uma das primeiras exigências dessa legislação foi obrigar as empresas públicas, em particular aquelas com capital aberto, a adaptarem seus estatutos às novas regras. Estruturas tiveram de ser criadas, como o Comitê de Pessoas, órgão estatutário que avalia os currículos dos executivos indicados para compor a diretoria e o Conselho de Administração das empresas, em cumprimento ao veto legal à nomeação de políticos, líderes sindicais e pessoas com conflitos de interesse.

Não há dúvidas de que todas essas mudanças resgataram a moralidade dentro das estatais. A Petrobras demonstra que esses princípios podem ser mensurados não apenas em termos teóricos, mas também por resultados – basta ver os lucros registrados nos últimos anos. Não se trata de coincidência, mas relação de causa e efeito. O estatuto reforçou ainda dispositivos de leis anteriores, deixando claro que conselheiros e diretores estão sujeitos à responsabilização pessoal e perda de bens caso seus atos causem prejuízos à empresa – ainda que isso não vá ao encontro das vontades de um presidente da República estagnado nas pesquisas de intenção de voto.

Nenhuma lei ou estatuto impede mudanças na direção das empresas; alterações são permitidas a qualquer tempo, mesmo por motivos errados, como prova a indicação de Caio Mario Paes de Andrade, o quarto a assumir a Petrobrás em menos de três anos e meio. Seus antecessores caíram pela mesma razão: mantiveram a política de preços de combustíveis da companhia alinhada ao Preço de Paridade Internacional (PPI), adotado, assim como a Lei das Estatais, no mesmo ano de 2016. E como o Estadão mostrou, a pretexto de conferir mais previsibilidade e com a desculpa da volatilidade ocasionada pela guerra entre Rússia e Ucrânia, o próximo passo a ser seguido pelo governo é reduzir a frequência dos reajustes, de forma que a Petrobras possa “dar sua contribuição neste momento”.

Para isso, não haverá limites, e já se cogita trocar, novamente, conselheiros e diretores por pessoas alinhadas a esse plano. Nada de novo na gestão bolsonarista, haja vista suas falas na famigerada reunião ministerial de abril de 2020, em que deixou claro que trocaria delegados, superintendentes e até o ministro para interferir na Polícia Federal. A canetada na política de preços provavelmente exigirá uma mudança do estatuto, já que ele proíbe a Petrobras de vender combustíveis com prejuízo a não ser que a companhia seja compensada pela União – e o Executivo não tem a menor intenção de indenizá-la. Paradoxalmente, como mostrou o Estadão, a ideia conta com o apoio do ministro da Economia, Paulo Guedes.

À época em que a Lei das Estatais foi aprovada, um dos principais argumentos da equipe de articulação política do então presidente Michel Temer era a necessidade de impedir que as empresas públicas voltassem a ser assaltadas no futuro. A chegada de Bolsonaro ao governo mostra que as piores previsões se confirmaram mais rapidamente do que se imaginava – e nem mesmo a lei, por enquanto não revogada, foi um obstáculo a essas intenções. O pior é que, nesse ponto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, concorda com ele. Em uma entrevista a uma rádio, Lula disse que não adiantaria trocar o presidente da Petrobras caso a política de preços fosse mantida. Se depender dos candidatos mais bem colocados nas pesquisas, o futuro da Petrobras será tão nebuloso quanto seu passado recente.

O Estado de São Paulo