A tragédia humanitária e os efeitos internacionais da invasão da Ucrânia pela Rússia dominaram os debates em que a atuação brasileira foi marginal
Sem aparecer, Vladimir Putin, senhor das armas, pautou e dominou a reunião do Fórum Econômico Mundial em Davos. A guerra foi o grande tema da semana. Políticos e especialistas discutiram a devastação da Ucrânia, as novas ameaças à segurança internacional e seus efeitos econômicos para dezenas de países. Uma guerra havia entrado na pauta em janeiro de 2003, quando o secretário de Estado americano, Colin Powell, tentou explicar e justificar o próximo grande lance de seu governo, a invasão do Iraque. Naquela ocasião, o Fórum já se havia consagrado como templo da globalização e da integração, com pouco espaço para discussão sobre armas. O autocrata russo conseguiu unir os dois temas, o militar e o econômico, na programação de Davos.
A semana foi aberta com a participação virtual do presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski. Ele agradeceu a ajuda internacional e reafirmou a disposição de continuar, com os meios fornecidos por outros países, combatendo as tropas invasoras. Foi como se o líder ucraniano estivesse dando o tom a uma orquestra. A sequência foi uma série de pronunciamentos sobre as necessidades impostas pelo conflito.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, acusou o governo russo de usar a fome e o controle de cereais como armas de guerra. Pediu cooperação global contra a “chantagem da Rússia” e defendeu maior investimento militar na Europa. Propôs também maior empenho na transição para um padrão energético menos dependente de petróleo e gás e, portanto, da importação de insumos de origem russa. União contra as novas ameaças foi também a bandeira levantada pelo primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, e pelo secretário-geral do Tratado da Organização do Atlântico Norte (Otan), Jens Stoltenberg.
O primeiro grande apelo a favor da ordem global veio da equipe do Fundo Monetário Internacional (FMI), liderado pela diretora-gerente da entidade, Kristalina Georgieva. Somada à pandemia da covid-19, a invasão da Ucrânia combinou duas crises, “devastando vidas, derrubando o crescimento econômico e aumentando a inflação”, alertou um documento divulgado pouco antes de começar a reunião. A guerra agravou problemas já presentes nos mercados e ampliou o risco de uma “fragmentação geoeconômica”, segundo o texto apresentado pelo Fundo.
O alerta do FMI constituiu, talvez, a mais articulada expressão das preocupações levadas ao Fórum por líderes nacionais, economistas, empresários e representantes de organizações multilaterais. É preciso evitar o desmonte das cadeias internacionais de suprimentos, evitar novos entraves aos fluxos de mercadorias, de serviços e de capitais e conter as tendências, já observadas em vários países, de ampliação de barreiras a exportações e importações. Desde o começo da guerra na Ucrânia, informou o FMI, cerca de 30 governos limitaram o comércio de alimentos, energia e de outros itens básicos. Tudo isso agrava, seria fácil acrescentar, as tendências já observadas de redução do crescimento econômico.
Do lado oficial, a contribuição brasileira ao debate foi praticamente nula, como tem sido desde 2019, início do mandato do atual presidente. Convidado naquele ano para uma apresentação especial, o presidente Jair Bolsonaro foi incapaz de preencher dez minutos com uma exposição sobre planos de governo, embora dispusesse de meia hora.
A administração federal foi representada no Fórum, neste ano, pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Como em outras ocasiões, o ministro pouco se envolveu nos debates mais importantes, limitando-se às bravatas habituais sobre o estado e as perspectivas da economia brasileira.
Como Putin, Bolsonaro faltou à reunião, mas foi muito menos lembrado que o autocrata russo. Sem representação de Moscou, também sumiu do centro de Davos a Casa da Rússia, tradicionalmente montada durante as sessões do Fórum. Como substituição, um empresário ucraniano instalou uma exposição dos crimes de guerra atribuídos aos invasores. Com a ausência de Putin, também a paisagem da cidade foi afetada.
O Estado de São Paulo