quinta-feira, abril 28, 2022

Jogo pesado bolsonarista




Presidente não inventou as 'hardballs' nem foi o primeiro a lançá-las, mas as usa com apavorante desenvoltura

Por Hélio Schwartsman (esq.)

"Constitutional hardball", ou "jogo pesado constitucional". A expressão é de Mark Tushnet (Harvard), mas foi popularizada por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, autores de "Como as Democracias Morrem". Eles sustentam que o uso repetido de "constitutional hardballs" ocasionou a erosão democrática em países tão variados como EUA, Brasil, Hungria, Argentina, Venezuela, alguns dos quais se converteram em autocracias.

Mas o que exatamente são "hardballs"? É a exploração de procedimentos, leis e instituições por atores políticos para obter ganhos pessoais ou partidários de modos que violam costumes preestabelecidos e forçam os limites da legalidade. A concessão de graça por Jair Bolsonaro a Daniel Silveira é um exemplo perfeito de "hardball". No Brasil, o presidente tem a prerrogativa de perdoar criminosos. Praticamente não há limitações explícitas a esse poder nem na Carta nem nas leis. Mas perdoar amigos era algo considerado fora dos limites, de acordo com as normas não escritas da política e até da decência.

Dilma Rousseff era a presidente à época do julgamento do mensalão, que encarcerou importantes petistas. Não havia nada na lei que a impedisse de indultá-los, mas ela sabiamente não o fez. O problema com "hardballs" é que, quando você as usa, quase que intima o outro lado a responder na mesma medida. O STF não é um bicho sem dentes. Se quisesse bater o pé no caso Silveira, por exemplo, poderia metê-lo em algum outro inquérito e decretar sua prisão preventiva, sobre a qual em tese não cabe indulto presidencial.

Mas é fácil ver que, se todos entrarem nesse jogo, quem mais perde são as instituições e por conseguinte a democracia.

Jair Bolsonaro não inventou as "hardballs" nem foi o primeiro a lançá-las. Mas ele as usa com apavorante desenvoltura. Se não nos livrarmos dele em outubro, temo que a democracia brasileira não resista a mais quatro anos de jogo pesado.

Folha de São Paulo