quinta-feira, abril 28, 2022

Controle do Twitter por Elon Musk desperta temores - Editorial




Embora o Twitter não seja a maior rede social, nem mesmo um grande sucesso como negócio, adquiriu importância sem paralelo na política contemporânea. De 15 anos para cá, foi a plataforma mais usada para projetar movimentos populares, difundir ideias e opiniões, em especial as extremistas. Militantes de todo tipo, dos antirracistas aos antivacinas, lá encontraram terreno acolhedor. Foi o campo em que o bolsonarismo floresceu e o veículo predileto de Donald Trump — até ser banido por ter instigado a invasão do Capitólio. Não faltam motivos para a compra da empresa por Elon Musk, o homem mais rico do mundo, despertar temores.

O principal é que sua visão libertária leve ao relaxamento das normas sobre a desinformação na plataforma, conhecida pela virulência. Bolsonaristas e trumpistas celebraram a chegada de Musk; seus adversários se mostraram decepcionados. Empresário mais afeito ao mundo etéreo da transição energética ou das viagens interplanetárias, ele terá de se voltar agora para o chão pedregoso e enlameado da política.

Embora Musk tenha dado pistas de sua intenção — ampliar a liberdade de expressão e as contas verificadas, afrouxar as políticas de moderação, talvez criar um recurso de edição de tuítes —, ninguém sabe o que fará em relação aos temas críticos: a volta de Trump e as tentativas de usar o Twitter para atacar a democracia ou dar golpes de Estado. É preocupante o risco de que o volume dos trinados e gorjeios por lá cresça vários decibéis, com consequências que podem se revelar dramáticas.

Tal inquietação resulta da omissão das autoridades americanas na regulação das redes sociais. Como afirmou o psicólogo social Jonathan Haidt em ensaio na revista The Atlantic, “na média, as mídias sociais amplificam a polarização política, fomentam o populismo, especialmente de direita, e estão associadas à disseminação de desinformação”. Privilegiam a minoria extremista em detrimento da maioria moderada. “Precisamos fortalecer as instituições democráticas para que possam resistir, reformar as redes sociais para que sejam menos corrosivas, preparar a próxima geração para a cidadania democrática nesta nova era”, afirma Haidt.

Uma missão dessa envergadura não deve ficar a cargo apenas de empresários, mesmo os mais bem-sucedidos, ou das “mentes iluminadas” do Vale do Silício. É trabalho de políticos. Um exemplo do que precisa ser feito é a nova legislação da União Europeia (UE) para limitar o poder das gigantes digitais.

Entre as medidas adotadas estão a obrigação de policiar de forma eficaz o conteúdo on-line, o veto a propagandas dirigidas a menores e à segmentação de anúncios com base em etnia, religião ou orientação sexual. A venda de produtos ilegais sofrerá penalidades mais pesadas. Em março, a UE já anunciara a Lei de Mercados Digitais, com regras para aumentar a competição e multas pesadas contra práticas monopolistas. É esperado que esse tipo de iniciativa influencie legislações semelhantes noutros países. No Brasil, a prioridade deveria ser a aprovação do PL das Fake News — infelizmente deixado em segundo plano pela Câmara.

Não se trata apenas de garantir um mercado saudável. Está em jogo a própria democracia, vítima de campanhas de desinformação sob os olhares sonolentos e cúmplices de autoridades omissas e empresas que se guiam mais pelos índices de engajamento e audiência que pelo espírito democrático.

O Globo