quinta-feira, março 31, 2022

Já dá para dizer "Perdeu, Putin" ou a proposta russa é apenas manobra?




A iniciativa de “reduzir drasticamente” as tropas em torno de Kiev equivaleria a um reconhecimento de enorme derrota. 

Por Vilma Gryzinski

Cuidado, avisou Boris Johnson, Putin ainda pode “virar a faca”. Não existe uma pessoas na face da Terra, inclusive entre as que continuam a admirar Vladimir Putin, que discorde do primeiro-ministro britânico.

É por isso que a declaração do vice-ministro da Defesa, Alexander Formin, foi vasculhada sob todos os ângulos possíveis.

Relembrado-a, com toda sua linguagem enrolada:

“Devido ao fato de que as negociações sobre um acordo sobre a neutralidade e o status não-nuclear da Ucrânia e garantias de segurança (para a Ucrânia) estão avançando para uma fase prática, e levando em consideração os princípios discutidos durante a reunião de hoje, o Ministério da Defesa da Federação Russa tomou a decisão de reduzir drasticamente as operações de combate nas áreas de Kiev e Chernihiv a fim de incentivar a confiança mútua e criar as condições necessárias para novas negociações e a assinatura do acordo acima mencionado”.

Note-se que os termos “desmilitarização” e “desnazificação”, as absurdas condições originais, não aparecem. E que o “status não-nuclear” da Ucrânia nunca foi colocado em dúvida, fora do campo das especulações mais fora de propósito.

Também vale lembrar que as negociações na Turquia, num prédio da era otomana às margens do Bósforo, transcorreram num clima de filme de suspense face à acusação de que dois integrantes da delegação ucraniana e o oligarca russo Roman Abramovich haviam sofrido uma tentativa de envenenamento no começo do mês.

Abramovich, segundo a denúncia do site Belliingcat, chegou a perder a visão por algumas horas e sofreu descamação na pele do rosto e das mãos. Foi internado numa clínica em Istambul, uma das poucas metrópoles internacionais que ainda pode frequentar por estar na lista de sanções da maioria dos países do Primeiro Mundo.

Fontes da inteligência americana negaram o suposto uso de agentes químicos contra o bilionário, mas o Bellingcat tem um histórico de investigações rigorosas, inclusive sobre os infames envenenamentos com Novichok do ex-agente russo Sergei Skripal e do oposicionista preso Alexei Navalny.

E a participação de Abramovich nas negociações entre Ucrânia e Rússia nunca tinha sido informada com tantos detalhes. O bilionário ontem apareceu abertamente nas negociações em Istambul.

O porta-voz de Putin, Dmitri Peskov, confirmou a participação do embargado dono do Chelsea, também em termos enviesados: “Ele não é membro oficial da delegação, mas está presente em Istambul do nosso lado. Para promover contatos entre as duas partes é preciso ter a aprovação das duas partes e, no caso de Abramovich, esta aprovação foi feita pelas duas partes”.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, interveio junto ao governo americano para tirar Abramovich da lista de sancionados pelo Departamento do Tesouro, argumentando justamente que ele estava mediando negociações.

Por que os russos tentariam envenenar um negociador do lado deles? Segundo Christo Grozev, do Bellingcat, site que foi fundado por um jornalista britânico – e talvez com um certo incentivo da inteligência britânica -, pode ter sido um “aviso” da linha dura do regime russo. Grozev acha que foi usada uma dosagem baixa de cloropicrina ou do próprio Novichok.

Outra ameaça foi feita pelo próprio Putin. Segundo o Times de Londres, Abramovich viajou no seu jato particular de Istambul para Moscou na quarta-feira passada, levando uma proposta de paz escrita a mão por Zelensky. “Diga a ele que vou esmagá-lo”, avisou Putin.

É por motivos assim que a redução “drástica” de forças russas em torno de Kiev, algo que só pode ser interpretado, pelo valor de face, como um recuo histórico, deve ser vista com muito cuidado.

Os fiascos protagonizados pelos invasores russos correram o mundo, mas a Rússia hoje ocupa mas da metade das regiões fronteiriças da Ucrânia, do Mar de Azov à Belarus.

Putin pode dizer “missão cumprida” e apresentar um meio fiasco como uma vitória inteira?

Vamos ficar sabendo nos próximos dias.

Se Kiev for salva e Abramovich tiver alguma participação, merecerá até ter o Chelsea de volta.

Revista Veja