quinta-feira, março 31, 2022

Guerra na Ucrânia: o que se sabe sobre vídeo que mostra supostos presos russos baleados




Imagens de um vídeo que mostra supostos maus-tratos a prisioneiros russos

Por Reality Check 

As autoridades ucranianas estão investigando imagens de vídeo que supostamente mostram soldados ucranianos atirando nas pernas de prisioneiros de guerra russos.

O vídeo com baixa resolução está circulando nas mídias sociais depois de aparecer pela primeira vez no domingo (27/3). Desde então, o vídeo foi amplamente republicado por contas pró-Rússia em várias plataformas.

O comandante-em-chefe das forças armadas ucranianas, Valerii Zaluzhnyi, disse que a Rússia está "filmando e distribuindo vídeos encenados" para mentir sobre o tratamento dado pela Ucrânia aos prisioneiros russos.

No entanto, Oleksiy Arestovych, conselheiro do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse que haveria uma investigação imediata sobre o vídeo.

"Gostaria de lembrar a todos os nossos militares, civis e forças de defesa que abusar de prisioneiros é um crime de guerra", disse Arestovych.

A BBC está analisando o vídeo, mas ainda não conseguiu verificar sua autenticidade de forma independente. Confira abaixo o que descobrimos até agora.

O que o vídeo mostra?

A filmagem — que é muito violenta para ser divulgada na íntegra — mostra o que seriam vários soldados russos capturados, todos deitados no chão. Alguns têm sacos sobre suas cabeças e muitos parecem estar sangrando em feridas nas pernas. Não está claro como ou quando eles foram feridos.

Os prisioneiros são interrogados sobre suas unidades e atividades na área. A certa altura, três homens são retirados de um veículo e aparentemente baleados nas pernas por um soldado com uma arma.

Em seguida, esses homens são interrogados.

Onde foi filmado o vídeo?

Na noite de domingo, um usuário do Twitter sugeriu que o vídeo teria sido filmado em uma fábrica de laticínios em Malaya Rohan, a sudeste de Kharkiv. A BBC usou ferramentas de geolocalização para tentar confirmar a informação. A área havia sido recentemente retomada por tropas ucranianas.

Analisando imagens de satélite e fotos da fazenda, podemos identificar pistas sobre a localização do vídeo.

Antes de os três supostos soldados serem baleados, podemos reconhecer elementos de uma casa atrás de um deles. Uma árvore (1), uma chaminé (2) e a metade superior de uma janela (3) são muito semelhantes às de uma imagem anterior (de 2017) dos arredores da fábrica de laticínios que encontramos na página da fazenda no Google.

A BBC tentou entrar em contato com a fábrica de laticínios.

Quando o vídeo foi filmado?

A filmagem de vídeo não tem registro de data ou hora e não há metadados que permitam determinar exatamente quando ele foi filmado. É possível ver um céu claro e o solo seco.

Os boletins meteorológicos da área de Kharkiv sugerem que o vídeo poderia ter sido filmado no sábado (26/3). O tempo na sexta e no sábado foi seco, ensolarado e frio. Na noite entre sábado e domingo, foi registrada chuva leve na região.

Pela posição do sol, acredita-se que a filmagem poderia ter sido feita nas primeiras horas do dia.

O que está sendo dito no vídeo?

Os prisioneiros estão sendo interrogados em russo. Um especialista em idiomas da BBC Monitoring diz que os sotaques dos interrogadores "estão de acordo com o que você esperaria de ucranianos que falam russo".

Outro especialista confirmou que eles parecem ter sotaques ucranianos orientais, apontando para o uso de "hovorit" ("falar") em vez do "govorit" russo.

A certa altura, um dos prisioneiros é acusado de bombardear Kharkiv. Outro é interrogado sobre sua nacionalidade e responde ser azeri, e não etnicamente russo.

Um dos prisioneiros diz que está baseado em Biskvitne, que fica perto do vilarejo de Malaya Rohan e da fábrica de laticínios que identificamos.

Quem são os soldados?

Os sotaques dos homens que controlam a situação parecem ser do leste do país. Isso, no entanto, não confirma que eles são soldados ucranianos — ainda é possível que eles possam ser separatistas pró-Rússia desta região.

Eles estão vestindo uniformes com braçadeiras azuis usadas pelas forças ucranianas, embora, novamente, isso não seja conclusivo.

'Os soldados costumam usar braçadeiras coloridas para identificação durante o conflito'

Não há distintivos de regimentos ou outras formas de identificação visíveis.

As forças ucranianas estiveram nessa região nesses dias.

No fim de semana de 26 a 27 de março, um vídeo foi postado online mostrando as atividades da unidade Kraken, afiliada ao grupo político de extrema direita National Corps. A BBC identificou que as imagens deste vídeo foram feitas na vila de Vilkhivka, a 5,6 km de Malaya Rohan. O clima é igualmente ensolarado e seco.

O grupo conta que 30 russos foram feitos prisioneiros na vila em 25 de março. O vídeo do Kraken tem imagens de prisioneiros de guerra amarrados, vendados, colocados em uma van e forçados a cantar o hino nacional ucraniano. Mas não há tiros ou violência contra eles.

No vídeo dos supostos tiros na fazenda, um dos soldados passa carregando um rifle camuflado.

Pedimos a Nick Reynolds, especialista militar do Royal United Services Institute (RUSI), para examinar esse trecho.

"Parece semelhante à maneira como as SOF [forças especiais] ucranianas camuflam seus rifles", ele nos disse, "mas a arma parece levemente diferente de qualquer outra que eu já tenha visto."

Ele também lembra que ambos os lados capturaram armas um do outro, por isso é difícil ter certeza sobre quem aparece nos vídeos.

Dúvidas sobre os tiros

Na parte mais perturbadora do vídeo, três homens parecem ser baleados nas pernas à queima-roupa com uma arma.

Tem havido polêmica nas mídias sociais sobre se a filmagem é verdadeira ou encenada, com algumas pessoas alegando que não há sangue suficiente, sinais de feridas da saída da bala ou gritos das vítimas.

Mostramos o vídeo a vários cirurgiões e ex-médicos militares que nos deram sua opinião especializada, mas preferiram permanecer anônimos.

Um disse que tratou soldados que sofreram ferimentos a bala que não gritaram. Ele disse que a falta de sangramento em alguns dos soldados feridos pode ser explicada por eles terem feito um torniquete (visível no vídeo).

Ele disse: "Na minha opinião, a filmagem não pode ser classificada simplesmente como 'falsa' com base nas imagens vistas. Isso requer uma investigação por crimes de guerra".

Outro médico disse: "Parece genuíno... condiz com a descrição de tiros nos membros feitos como forma de punição".

Outras pessoas nas mídias sociais apontaram para a falta de aparente recuo do fuzil quando disparado, alegando que a arma poderia estar disparando tiros de festim.

Reynolds ressalta que a munição de 5,45 mm do AK-74 é de pequeno calibre e tem muito pouco recuo, mas também acrescentou que "a qualidade do vídeo não é ótima".

A BBC segue com os esforços para verificar a autenticidade deste vídeo e atualizará esta reportagem se houver novidades.

Reportagem de: Alistair Coleman, Daniele Palumbo, Shayan Sardarizadeh, Richard Irvine-Brown, Vitaly Shevchenko e Paul Myers.

BBC Brasil