domingo, fevereiro 27, 2022

Lavagem de dinheiro, a fragilidade de Vladimir Putin




As democracias podem ir atrás da vasta riqueza estrangeira dos oligarcas que cercam o presidente russo e o ajudam a permanecer no poder

Por Paul Krugman* (foto), The New York Times

Paul Krugman - Os Estados Unidos e seus aliados não vão intervir com as próprias forças contra a guerra de Vladimir Putin. Deixo para outros com experiência no tema especularem se os EUA enviarão mais armas ao governo ucraniano ou, se o ataque russo obtiver sucesso rápido, ajudarão a armar a resistência ucraniana.

Na maior parte, no entanto, a resposta do Ocidente à agressão de Putin envolverá sanções financeiras e econômicas. Quão eficazes podem ser essas sanções? A resposta é que elas podem ser muito eficazes, se o Ocidente mostrar vontade – e estiver disposto a assumir a própria corrupção.

Por medidas convencionais, o regime de Putin não parece muito vulnerável, pelo menos no curto prazo. É verdade que a Rússia acabará pagando um preço alto. Não haverá mais acordos de gasodutos; dificilmente haverá investimento estrangeiro direto. Afinal, quem vai querer assumir compromissos de longo prazo com um país cuja liderança autocrática mostrou um desprezo tão imprudente pelo estado de direito? Mas essas consequências da agressão de Putin levarão anos para se tornar visíveis.

E parece haver apenas espaço limitado para sanções comerciais. Por isso, pode-se e deve-se culpar a Europa, que faz muito mais comércio com a Rússia do que os Estados Unidos.

Sanções financeiras, reduzindo a capacidade da Rússia de arrecadar e movimentar dinheiro no exterior, são mais facilmente exequíveis. Mas os efeitos serão limitados, a menos que a Rússia seja excluída do Swift, o sistema belga para pagamentos entre bancos internacionais. E uma exclusão do Swift pode, na prática, significar uma interrupção no fornecimento de gás russo, o que nos traz de volta ao problema da vulnerabilidade autoinfligida da Europa.

No entanto, as democracias avançadas do mundo têm outra arma financeira poderosa contra o regime de Putin, se estiverem dispostas a usá-la: podem ir atrás da vasta riqueza estrangeira dos oligarcas que cercam Putin e o ajudam a permanecer no poder.

Todo o mundo já ouviu falar sobre iates gigantes de oligarcas, franquias esportivas e casas incrivelmente caras em vários países. Há tanto dinheiro russo altamente visível no Reino Unido que algumas pessoas falam sobre “Londongrado”. Bem, essas não são apenas histórias isoladas.

Filip Novokmet, Thomas Piketty e Gabriel Zucman apontaram que a Rússia registra enormes superávits comerciais todos os anos desde o início dos anos 1990, o que deveria ter levado a um grande acúmulo de ativos no exterior. No entanto, as estatísticas oficiais mostram a Rússia com apenas um pouco mais de ativos do que passivos no exterior. Como isso é possível? A explicação óbvia é que os russos ricos estão roubando grandes somas e as estacionando no exterior.

As somas envolvidas são incompreensíveis. Novokmet e companhia estimam que, em 2015, a riqueza estrangeira oculta dos russos ricos correspondia a cerca de 85% do PIB do país. Para dar alguma perspectiva, é como se os comparsas de um presidente dos EUA tivessem conseguido esconder US$ 20 trilhões em contas no exterior. Outro artigo co-escrito por Zucman descobriu que, na Rússia, “a grande maioria da riqueza no topo da pirâmide é mantida no exterior”.

Mas os governos democráticos podem ir atrás desses ativos? Sim. A base legal já existe, por exemplo, na legislação chamada de Ato para Combater os Inimigos dos EUA por meio de sanções, assim como a capacidade técnica. Portanto, há meios para colocar uma enorme pressão financeira sobre o regime de Putin (em oposição à economia russa). Mas há vontade? Essa é a questão do trilhão de rublos.

Há dois fatos desconfortáveis aqui. Primeiro, várias pessoas influentes, tanto nos negócios quanto na política, estão profundamente enredadas financeiramente com os cleptocratas russos. Isto é especialmente verdade no Reino Unido. Em segundo lugar, será difícil ir atrás de dinheiro russo lavado sem tornar a vida mais difícil para todos os lavadores de dinheiro, de onde quer que venham – e embora os plutocratas russos possam ser os campeões mundiais nesse esporte, eles não são únicos.

O que isso significa é que tomar medidas efetivas contra a maior vulnerabilidade de Putin exigirá enfrentar e superar a própria corrupção do Ocidente. O mundo democrático pode enfrentar esse desafio? Descobriremos nos próximos meses.

*Paul Krugman é Nobel de Economia e professor da Universidade de Nova York.

Jornal do Brasil