Aguirre Talento
O Globo
A Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República (PGR) divergiram da condição de um inquérito divulgado pelo presidente Jair Bolsonaro para levantar suspeitas, sem provas, sobre o sistema eleitoral. A PF diz que o material não podia ser compartilhado, porque estava sob sigilo, e concluiu que Bolsonaro cometeu crime. Já a PGR alegou que a investigação era pública e inocentou o presidente.
A reportagem do GLOBO solicitou à 12ª Vara Federal do Distrito Federal uma cópia do processo propagado por Bolsonaro. O pedido, porém, foi negado, sob o argumento de que a investigação é sigilosa.
DISSE O JUIZ – “Informo a Vossa Senhoria que o Inquérito Policial 1065955-77.2020.4.01.3400 trata de investigação sigilosa e que, no momento, encontra-se tramitando entre a Polícia Federal e o Ministério Público.”, respondeu a 12ª Vara Federal do DF.
A investigação vazada pelo presidente apura as circunstâncias de um ataque hacker ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e teve início após um pedido do próprio TSE à PF. Não há nenhuma relação com as urnas eletrônicas, mas Bolsonaro exibiu a documentação em uma live em agosto do ano passado apresentando o inquérito como uma suposta evidência da vulnerabilidade das urnas, o que não é verdade.
Após Bolsonaro vazar a documentação, o TSE pediu à PF a abertura de um inquérito sobre a divulgação desse documento. A delegada Denisse Dias Ribeiro concluiu que o caráter tinha natureza sigilosa e apontou que Bolsonaro cometeu crime de violação de sigilo funcional.
ARAS QUER ARQUIVAR – Na semana passada, o procurador-geral da República Augusto Aras apresentou um pedido de arquivamento sob argumento de que não houve decisão judicial decretando o sigilo do processo e que o delegado do caso não registrou o inquérito como sigiloso no sistema interno da PF. Portanto, disse Aras, não é possível acusar Bolsonaro de crime, já que a documentação era pública.
O relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes, ainda não decidiu a respeito do pedido de arquivamento.
Procurada, a PGR afirmou que “as normas internas da Polícia Federal dispõem que o delegado responsável deve requerer ao juiz para o qual foi distribuído o inquérito para que nele seja determinado o segredo de justiça, o que não havia ocorrido no IPL 1361/2018-4 SR/PF/DF, até a data dos fatos investigados”.
NÃO SABE DE NADA – A Procuradoria disse ainda que “não dispõe de informações para afirmar se posteriormente àqueles eventos o procedimento foi adotado pela autoridade policial, nos termos do art. 94, parágrafo único, da Instrução Normativa DG/PF 108, de 7 de novembro de 2016”.
Investigadores da PF afirmam que o inquérito atualmente tem classificação sigilosa no sistema da corporação. A reportagem questionou a Superintendência da PF do DF a respeito do sigilo do inquérito, mas o órgão respondeu apenas que há diligências em curso.
“No referido inquérito, algumas diligências encontram-se pendentes. Dessa forma, informações mais detalhadas não podem ser dadas, uma vez que medidas judiciais foram tomadas, o que, consequentemente, inviabiliza o acesso de terceiros estranhos à investigação”, informou o setor de comunicação.
CASO DE SIGILO – Especialistas em direito penal opinam que, mesmo sem um decreto do juiz ou um despacho do delegado, o inquérito pode ter documentos com teor sigiloso cuja divulgação pode caracterizar crime. No caso do inquérito sobre o ataque hacker, por exemplo, o delegado recebeu uma sindicância sigilosa do TSE a respeito do assunto, com o aviso de que estava sob sigilo.
Um procurador do Ministério Público Federal, ouvido sob anonimato, disse que o sigilo de um feito é definido pela natureza dos seus dados, como a existência de solicitações a operadoras de telefonia por dados pessoais dos usuários, que seriam sigilosos.
E o advogado Pedro Porto afirma que a classificação do segredo de Justiça pode ser feita por um funcionário da Justiça Federal no momento do cadastro do processo no sistema de Processo Judicial Eletrônico, e não necessariamente por um juiz.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Bolsonaro está nas mãos do relator Alexandre de Moraes. Embora se costume dizer que abrir processo é atribuição exclusiva do Ministério Público (no caso, leia-se: Procuradoria), isso é “menos” verdade, como diria Lula antes de tomar aulas particulares. Quem manda no inquérito e no processo é o juiz. Se Moraes decidir aceitar a denúncia, a Câmara terá de decidir se Bolsonaro pode ou não ser processado. Se dizer “sim”, ele é imediatamente afastado por 180 dias, para se defender, diz a lei. (C.N.)