segunda-feira, janeiro 03, 2022

Reformas, recuperação fiscal e privatizações minam caminho das urnas

 




O presidente Jair Bolsonaro enfrenta assuntos sensíveis, como as reformas tributária e administrativa e posições relativas à vacinação contra o coronavírus, pressionado pela queda de popularidade e tendo o ex-presidente Lula como principal adversário à reeleição, segundo as pesquisas de intenção de voto

No Brasil, como em Minas Gerais, temas complexos e que envolvem controvérsia entre Executivo e Legislativo precisarão ser enfrentados neste ano

Por Guilherme Peixoto

No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já abriram a disputa às eleições de outubro; em Minas Gerais, o governador Romeu Zema (Novo), que admitiu sua pretensão ao segundo mandato, pode ter como concorrente o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD). O cenário do pleito deste ano começa a tomar forma — sobretudo na disputa presidencial e na corrida rumo ao governo mineiro. Porém, até lá, nas esferas federal e estadual, Legislativo e Executivo precisam cumprir agendas para avançar em temas considerados prioritários e sensíveis.

Em Brasília, por exemplo, o Congresso Nacional convive com a expectativa em torno da entrega das reformas tributária e administrativa, que eram aguardadas em 2021, mas enfrentaram obstáculos como a pandemia de COVID-19. Parte dos parlamentares defende que as mudanças são essenciais para dar fôlego à retomada da economia e estancar as desigualdades acentuadas pelos efeitos da doença respiratória. Reduzir o abismo entre ricos e pobres, aliás, é outro tema em voga.

Lula supera Bolsonaro, de acordo com pesquisa de intenção de voto
 
Tradicionalmente, anos eleitorais são marcados pela análise de temas menos complexos, quando fatores ligados às urnas não contaminam os debates a ponto de inviabilizá-los. Mesmo assim, o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), mantém o otimismo. “A partir do momento em que toda a sociedade estiver imunizada, e Deus queira que não tenhamos outras ondas tão graves, podemos cuidar da pauta estruturante mesmo se tratando de ano eleitoral”, disse ele em entrevista na semana passada concedida ao Estado de Minas.
 
Pacheco garantiu estar tão focado na agenda nacional a ponto de, neste momento, não se aprofundar nas discussões em torno de possível pré-candidatura ao Palácio do Planalto, desejo dos dirigentes de seu partido. Ele afirma que terminar o desenho das reformas é o grande desafio de 2022. “Precisamos entregar um modelo de arrecadação e um sistema tributário mais simplificado, menos burocratizado, que não onere e não imponha sacrifícios ao contribuinte”.
 
Em termos da reforma administrativa, a ideia, segundo o presidente do Senado, é conciliar o enxugamento da máquina pública à preservação dos direitos adquiridos pelos servidores. “Não podemos misturar o interesse eleitoral e o interesse pela reestruturação do país. Para isso, temos que estar todos unidos: Congresso Nacional, Poder Executivo e Supremo Tribunal Federal (STF)”.
 
Desde o início da gestão, Bolsonaro lida com um limiar entre as pautas de costumes e os pleitos da equipe econômica de Paulo Guedes. O ano passado terminou com a aprovação do Auxílio Brasil e da Emenda à Constituição dos Precatórios, mecanismo que vai permitir a transferência de R$ 400 por mês às famílias vulneráveis ao longo deste ano. Apesar disso, assuntos como a privatização dos Correios parecem ter ficado em segundo plano — as discussões sobre a venda de patrimônios estatais formam bom exemplo de tópicos que, em anos de ida às cabines de votação, ganham travas adicionais.

Árduos ajustes

Em Minas Gerais, as atenções estão voltadas aos embates que marcam as conversas sobre a possível adesão mineira ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), programa proposto pelo governo federal que impõe duro ajuste nas contas dos estados durante nove anos para que eles ganhem melhores condições de pagamento de dívidas com a União. O governo Zema tem defendido o ingresso do estado no sistema como única opção para aliviar problemas no fluxo de caixa, mas, na Assembleia Legislativa, a avaliação é de que uma temática tão complexa não pode ser votada sem conversas aprofundadas.
 
Há temor dos parlamentares quanto a prejuízos em serviços públicos e ao funcionalismo, além da ideia de que é possível viabilizar saída política junto ao Palácio do Planalto para renegociar as dívidas mineiras sem um ajuste fiscal de gosto amargo à população. Com a resistência, a adesão ao RRF não deve ser aprovada na Casa.

Kalil é pedra no sapato do governador de Minas, Romeu Zema

Em outubro último, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, determinou prazo de seis meses para Minas Gerais aderir ao RRF sob pena de cassação das liminares que suspendem o pagamento do débito junto à União. É nisso que Zema se ampara para defender a adesão ao plano.

A estimativa é que, inicialmente, seja necessário desembolsar R$ 30 bilhões. “De onde vamos tirar R$ 30 bilhões para pagar o governo federal? O valor é até superior a isso. Se você tem uma dívida desse tamanho e o governo federal está propondo 30 anos para pagá-la, de forma parcelada, em suaves prestações, principalmente no início, por que não aderir?”, questionou em entrevista ao Estado de Minas no mês passado.

Queda de braço

Entretanto, deputados estaduais asseguram que as tratativas não são tão simples como tenta demonstrar o governador.  “Se o estado quiser fazer um programa de transferência complementar ao federal, não vai poder. Se precisar lançar um programa de aceleração de aprendizagem para crianças e adolescentes que ficaram para trás, não vai poder. Não pode ter nada novo”, criticou André Quintão (PT), líder dos opositores a Zema. “A saída tem que ser política. Passa pela negociação com o governo federal. Não pela mera adesão a um regime de recuperação fiscal que vai prejudicar o cidadão pobre”, completou.
 
Em meio ao confronto, houve até mesmo acusações de uso do projeto que congelou o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), proposto e aprovado na Assembleia Legislativa, e, agora, com sanção garantida por Zema, como meio de pressionar os parlamentares a votar a adesão de Minas ao Regime de Recuperação Fiscal. O tema econômico inicia 2022 travando a pauta da Assembleia, o que impede outras votações. “Não é justo que a gente vote, praticamente no último ano de um governo, travas condicionantes que vão permanecer por mais dois governos”, pontuou André Quintão.

SEM CONSENSO

No país

» Reforma tributária
» Reforma administrativa
» Privatizações

Em Minas

» Adesão do estado ao Regime de 

Recuperação Fiscal

» Privatizações
» Vaga no Tribunal de Contas do Estado
Corrida embolada para colocar o bloco na rua

Para conquistar um segundo mandato, o presidente Jair Bolsonaro precisará lidar com a rejeição recorde do eleitorado, que chegou a 60% nas pesquisas de intenção de voto, segundo o Instituto Datafolha. A descrença em relação às vacinas também marca o início de ano do presidente. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, é defensor da apresentação de prescrição médica para permitir a imunização de crianças entre 5 a 11 anos, mas diversos secretários estaduais de Saúde, como o mineiro Fábio Baccheretti, já afirmaram que o atestado não será exigido.
 
Na semana passada, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, chegou a pedir “humildade” a todos os envolvidos no assunto — inclusive o chefe do poder Executivo federal —, para que haja respeito ao parecer técnico dado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Nos últimos levantamentos sobre intenções de voto, o capitão reformado aparece atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
 
Embora esteja na liderança das pesquisas, Zema começa 2022 com a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) na mira de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia. O relatório do comitê está previsto para ser entregue nos primeiros momentos do novo ano legislativo. No entanto, o governador garante que os planos de privatizar a estatal continuam existindo. A estratégia de vendas de empresas públicas tem, neste momento, a alienação da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig) como carro-chefe.
 
Em termos eleitorais, apesar de admitir que a posição de prefeito belo-horizontino o credencia a tentar ser governador, Alexandre Kalil prega cautela. “O prefeito que quer fazer campanha eleitoral levanta da cadeira, vai fazer campanha e põe outro no lugar. Esse povo não pode ficar abandonado, com prefeito viajando igual a um 'peru' para fazer política”, disse Kalil ao EM.
 
O senador Carlos Viana (MDB), já se coloca como possível postulante ao Palácio Tiradentes. “O governador está, naturalmente, agindo, como o grupo político dele incentiva, tentando recuperar o espaço político que não assumiu — e foi até contra, criticou muito, — no início. Daí o embate com a Assembleia”. “Não venho para falar de problemas; quero falar de soluções”, promete.
 
Em outra perspectiva, o Legislativo mineiro tem importante decisão a tomar no início do ano: o preenchimento da cadeira vaga no Tribunal de Contas do Estado (TCE). Na disputa, estão Duarte Bechir (PSD), Alencar da Silveira Júnior (PDT), Celise Laviola e Sávio Souza Cruz (ambos do MDB). Ainda no Parlamento, mas de volta a Brasília, pode haver aumento da influência mineira nas discussões nacionais, porque os deputados federais Reginaldo Lopes e Tiago Mitraud vão liderar, respectivamente, as bancadas de PT e Novo na Câmara. (GP)

Estadão / Estado de Minas