Bolsonaro ainda acha que um orçamento que atende basicamente a políticos fisiológicos, e não à maioria dos brasileiros, pode reelegê-lo
O orçamento do último ano de mandato do presidente Jair Bolsonaro é um resumo vigoroso de suas prioridades antissociais e corporativistas. É uma lição didática de que a política comanda a distribuição de recursos em última instância - e, no caso de Bolsonaro, em primeira. Depois de furar o teto de gastos, com apoio do ministro Paulo Guedes, hoje peça de decoração liberal do Planalto, o presidente assinou embaixo de todas as demandas dos partidos do Centrão, que mandam no Legislativo, sustentam Bolsonaro e cumprem a missão para a qual foram criados e existem - sugar o dinheiro público para seus fins particulares e de seus redutos eleitorais.
O corte de recursos feito sob o comando do Centrão é inferior ao que precisaria ser feito - R$ 3,18 bilhões. O ponto principal do orçamento são as verbas que são mantidas, R$ 35,6 bilhões de emendas parlamentares, com R$ 16,5 bilhões daquelas que privilegiam os caciques e evitam que o mal maior atinja o presidente, como os do PP e PL. A fatia da cobrança aumentou: em 2021 essas emendas atingiram R$ 33,4 bilhões. Os investimentos, como sempre, e não só com Bolsonaro, continuam caindo fora da peça orçamentária. Este ano serão R$ 42,3 bilhões, a menor quantia desde sempre.
O Centrão agradou plenamente as inclinações de mandrião corporativista de Bolsonaro, que o mantiveram no anonimato por 28 anos no Congresso. O Ministério da Defesa terá um dos maiores orçamentos e menores cortes. Além disso, os únicos servidores públicos que terão reajuste salarial serão os policiais rodoviários, policiais federais e agentes penitenciários. Essa benesse pode custar caro ao Planalto, ao criar um clima inóspito no restante do funcionalismo, que poderá desembocar em greve geral no curto prazo.
Afora bajular quartéis, o presidente não tem a menor noção do que quer para o país, exceto manter-se onde está, no comando. Mas Bolsonaro sabe muito bem aquilo que não quer. O orçamento que saiu de suas mãos corta gastos de tudo o que faria o país melhor: educação, saúde, inclusive vacinas, ciência e tecnologia, ambiente, modernização do setor estatal e atendimento ao público. Exemplos abundam.
O INSS tem uma fila de atendimento de requerimento de aposentadorias de mais de um milhão de pessoas. Houve corte de R$ 180,6 milhões no processamento de dados do instituto e de R$ 94,1 milhões no programa de melhoria contínua, além de R$ 709,8 milhões em demais gastos de administração.
Apoio à infraestrutura de educação básica terá R$ 379,8 milhões a menos, e a modernização de sistemas de educação profissional e tecnológica, menos R$ 74,3 milhões. Meio bilhão deixará de ir para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação e R$ 9,4 milhões para o CNPq. A Embrapa sofrerá redução de R$ 43 milhões.
A Fiocruz, um dos polos de produção de vacinas que jogaram e jogam papel fundamental no combate à pandemia, teve redução de orçamento de R$ 11 milhões. Faz sentido para um governo que desdenha vacinas, mas é um ato repulsivo.
Relacionados à saúde, mas com verbas que atravessam ministérios, estão reduções de R$ 105 milhões no sistema único de assistência social e R$ 66,2 milhões na rede de suporte social ao dependente químico.
Da mesma forma, R$ 40 milhões foram retirados do sistema de saneamento básico a pequenas comunidades rurais e de quilombolas. Cortes foram igualmente feitos em melhorias de saneamento urbano e de bacias hidrográficas.
O Ibama e ICMBio tiveram cortes e dotações inferiores à do ano de 2021, quando o país bateu recorde de queimadas na Amazônia, para a prevenção de incêndios.
A demarcação de terras indígenas, que Bolsonaro prometeu (e cumpriu) que não seriam mais feitas, assim como os serviços de proteção aos nativos, terão menos R$ 5 milhões.
Os cortes podem parecer que são apenas ajustes pontuais em orçamentos suficientes para o exercício das funções diante da magnitude do orçamento. Nada disso. Os mesmos órgãos e programas vivem à míngua depois de quatro anos seguidos de descaso do Planalto - especialmente os relacionados ao ambiente-, que não vê nestes gastos valor algum, embora sejam essenciais à população.
Bolsonaro ainda acha que um orçamento que atende basicamente a políticos fisiológicos, e não à maioria dos brasileiros, pode reelegê-lo. Não é à toa que corre o risco de sequer chegar ao segundo turno.
Valor Econômico