Publicado em 31 de janeiro de 2022 por Tribuna da Internet
Carlos Newton
No fim de semana, a mídia divulgou com estardalhaço que o presidente Jair Bolsonaro, em “declaração” enviada por escrito à Polícia Federal, alegou ter exercido o “direito de ausência”, ao não comparecer na sexta-feira (dia 28) para prestar depoimento no inquérito que apura se ele vazou informações sigilosas durante uma transmissão ao vivo por rede social.
Fica evidente que Bolsonaro é muito mal assessorado em questões legais. Desde o início do governo, seu principal conselheiro jurídico tem sido o inexperiente advogado Jorge Oliveira, ex-major da PM de Brasília, formado em Direito pelo Instituto de Educação Superior de Brasília. De lá para cá, uma asneira jurídica atrás da outra.
DECRETO OU MP? – Jorge Oliveira é filho de um capitão do Exército que foi colega de Bolsonaro na juventude e chefiava o gabinete do então deputado federal. Bolsonaro tinha influência na PM do Distrito Federal e apadrinhou o filho do amigo, que foi lotado na Academia de Polícia e jamais saiu às ruas para enfrentar criminosos, tendo bastante folga para se formar em Direito.
O início do governo, com Oliveira à frente do Jurídico do Planalto, foi um desastre. Como o assessor não sabia a diferença entre decreto e medida provisória, as primeiras determinações baixadas por Bolsonaro foram um fracasso. Mesmo assim, em entrevista ao Correio Brazilense, o ex-major teve a desfaçatez de se autoproclamar “jurista”.
Mas a carreira jurídica do ex-major realmente decolou, devido à amizade com a família Bolsonaro. Em junho de 2019, foi promovido a ministro, como titular da Secretaria-Geral da Presidência, onde acumulava a função de assessor jurídico do Planalto, até ganhar um belo presente no Natal de 2020, quando foi escolhido para o disputadíssimo cargo vitalício de ministro do Tribunal de Contas da União.
MAL ASSESSORADO – Embora já esteja no último ano de governo, Bolsonaro continua mal assessorado juridicamente. A reunião que marcou no horário em que deveria estar depondo foi com Pedro Cesar Sousa, substituto de Oliveira na Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República.
Discutiu-se a saída para o impasse do depoimento, e a solução encontrada foi a carta por escrito, enviada à Polícia Federal no final da sexta-feira, na qual diz o presidente que estava exercendo o “direito de ausência”.
Na verdade, não existe o mencionado “direito de ausência”, o que está previsto é o direito ao silêncio para não se autoincriminar. Além disso, ao contrário do que a AGU afirmou, também não há a tal garantia de “escolha constitucional e convencional de não comparecimento em depoimento em seara investigativa”, isso é apenas conversa fiada de falso jurista.
CHICLETE COM BANANA – Assim, a assessoria de Bolsonaro misturou alhos com bugalhos e chiclete com banana, colocando o presidente numa enrascada, porque agora ele está nas mãos do arqui-inimigo Alexandre de Moraes.
Sem haver o depoimento, agora o inquérito está encerrado e cabe ao ministro Moraes decidir se pede arquivamento ou abre processo contra o presidente da República. Caso respeite os autos e acate a conclusão a que chegou a Polícia Federal nas investigações, sobre a necessidade de indiciar o presidente, Moraes terá de pedir à Procuradoria-Geral da República a abertura de processo criminal contra Bolsonaro.
Se o procurador Augusto Aras aceitar, a Câmara dos Deputados então terá de se manifestar, aprovando ou recusando a abertura do processo de impeachment e o afastamento de Bolsonaro, conforme aconteceu nos casos de Fernando Collor e Dilma Roussef.
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P.S. 1 – Como se vê, caiu um peixe grande na rede do ministro Alexandre de Moraes. E o futuro de Bolsonaro está em suas mãos.
P.S. 2 – Em primoroso artigo publicado este domingo na Tribuna da Internet pelo jurista Jorge Béja, está explicitado o erro de Bolsonaro ao se recusar a depor, pois poderia denunciar os diversos equívocos jurídicos cometidos por Alexandre de Moraes. Mas acontece que Bolsonaro não tem assessoria jurídica e está desguarnecido. Falta um Jorge Béja no Palácio do Planalto.
P.S. 3 – Pode ser que não aconteça nada ou aconteça tudo, porque isso é Brasil, um país indecifrável. A única coisa certa é que o suspense é de matar o Hitchcock, diria o genial jornalista, publicitário e compositor Miguel Gustavo, meu vizinho aqui no Edifício Zacatecas. (C.N.)