Representação mostra diferenças nas mutações entre as variantes delta e ômicron do novo coronavírus
Ainda há inúmeras dúvidas sobre a variante Ômicron do novo coronavírus, que se espalhou da África do Sul para o resto do mundo com velocidade impressionante e hoje é considerada de risco “muito elevado” pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Há, porém, uma certeza: ela comprova a incapacidade da espécie humana para vacinar a população mundial na velocidade necessária para derrotar o Sars-CoV-2.
Ainda que quase 8 bilhões de doses tenham sido aplicadas no mundo e que 43% da humanidade já tenha completado o ciclo de vacinação, essa parcela cai a menos de 3% nos países pobres. O resultado é previsível. Países como a África do Sul, com apenas 24% completamente vacinados, se tornam terreno fértil para a emergência de novas variantes. As mais preocupantes para a OMS vieram todas de regiões com população vacinada insuficiente para deter a evolução darwiniana do vírus e o surgimento de cepas mais contagiosas ou até capazes de driblar a imunidade.
A dificuldade de levar vacinas a todos na velocidade exigida está ligada ao fracasso do consórcio Covax, criado pela OMS para atender à demanda dos países que não têm como arcar com o custo da vacinação. A projeção inicial era aplicar 2 bilhões de doses até o final deste ano, patamar em si insuficiente para dar conta da demanda. Pelas estimativas, até ontem as doses entregues não somavam 564 milhões.
O motivo para a dificuldade está menos na falta de recursos para doar as vacinas do que na centralização da produção em poucas fábricas no mundo todo. As peripécias da Fiocruz para estabelecer no Brasil um centro capaz de produzir o ingrediente farmacêutico ativo (IFA) da vacina AstraZeneca dão uma ideia do desafio. Apesar da transferência de tecnologia em tempo recorde e de tudo estar no prazo legal, só em julho começou a produção local, e ainda falta autorização da Anvisa para ela funcionar na capacidade exigida para garantir autonomia ao país.
Vacinas de plataformas mais avançadas, como Pfizer e Moderna (de RNA), trazem desafios ainda maiores. A principal é a resistência das empresas, que concentraram a produção na Europa e nos Estados Unidos, em licenciá-la para que possa ser distribuída pelo mundo. Num sinal de que já estava atenta à questão, a própria África do Sul decidiu erguer um polo capaz de reproduzir a tecnologia de fabricação das vacinas de RNA para exportação. A iniciativa sugere que, mesmo com o licenciamento, levaria ao menos seis meses e custaria US$ 25 bilhões erguer uma estrutura de produção descentralizada para atender à demanda global. Dado o tempo de aprendizado para criar competência local — no mínimo nove meses —, não é de espantar que o vírus esteja vencendo a corrida evolutiva.
Vacinas de RNA são a principal esperança de combate às variantes, porque é mais fácil adaptá-las a novas mutações do vírus, encurtando a fase de testes e permitindo reação mais rápida. Antes mesmo de saberem se a Ômicron dribla a imunidade de suas vacinas, Pfizer e Moderna já fazem isso.
A revista Science definiu de modo singelo a única forma como a humanidade poderá um dia declarar vitória contra o vírus: vacinar o mundo. Estamos diante de um problema coletivo global e, enquanto persistirem bolsões de suscetíveis a infecções, haverá campo para evolução de novas variantes. Eis o principal recado da Ômicron aos políticos do planeta.
O Globo