sexta-feira, dezembro 31, 2021

Dominado pelo Centrão, Legislativo perde prestígio - Editorial

 




O orçamento tornou-se aquilo que os grupos que dominam o Congresso querem que ele seja

A avaliação do governo de Jair Bolsonaro foi de mal a pior até o fim do ano e a do Congresso, sob o comando de seu aliado, o deputado Arthur Lira (PP-PI), na Câmara dos Deputados, e de Rodrigo Pacheco, no Senado, foi apenas um pouco menos ruim. O Senado ainda fez contraponto vital às aprovações à jato de Lira, nem sempre fiéis ao regimento interno. Barrou, por exemplo, reforma torta da tributação apresentada pelo ministro Paulo Guedes, e talvez a tenha sepultado de vez. No entanto, para o público, os congressistas só se preocupam com eles mesmos e esta percepção, ainda que imprecisa, tem uma acachapante base factual.

Pesquisa Datafolha (13 a 16-12) indicou que apenas 10% dos entrevistados classificam o trabalho do Congresso de ótimo ou bom (inferior à nota de Bolsonaro) e 41% o consideram francamente ruim ou péssimo. Ainda que a avaliação positiva tenha superado só uma vez a negativa (em 2003), o julgamento público piorou no decorrer da atual legislatura, especialmente no final. Não por acaso foi quando vieram à tona o escândalo das emendas secretas, que talvez tenham revelado mais uma vez como e com que finalidade o processo orçamentário é manipulado para fins particulares e deixado, há algum tempo, de ser público.

A atual legislatura é pior que a anterior, e não por falta de renovação - menos da metade dos deputados da anterior foram reeleitos. Um dos problemas foi que os novos deputados eram em boa parte bolsonaristas radicais e representantes do Centrão, denominação para um monte de legendas que não tem princípios e, na maior parte do tempo, só interesses.

Na maior parte do tempo nas últimas três décadas o Executivo conduziu, aos trancos e barrancos, o Congresso em direção a interesses que coincidiram muitas vezes com os da população. A fragmentação partidária em legendas inexpressivas de aluguel complicou essa tarefa, até que a primeira investida ao orçamento foi bem-sucedida em 2015. De lá para cá o Congresso ampliou emendas e seu valores e, com Bolsonaro, atingiu seu nirvana. O presidente entregou a coordenação política a Ciro Nogueira (PP-PI). Ao lado de Lira, com seus golpes de mão na Câmara, e de legendas que têm crescido ao longo do tempo, como o PL do mensaleiro Valdemar Costa Neto (PL, ao qual Bolsonaro se afiliou), produziram a fina flor do toma lá-dá cá: uma versão secreta. O STF impediu a continuidade da farsa, até pelo menos que o Centrão descubra novos subterfúgios.

O orçamento é a peça vital de um governo: permite que os projetos de governos eleitos se tornem viáveis. Como Bolsonaro não só parece interessado em causar tumultos e em sua reeleição, o orçamento tornou-se aquilo que os grupos que dominam o Congresso querem que ele seja.

O teto de gastos foi uma tentativa, ainda que defeituosa, de quebrar um vício anterior: a superestimação de receitas pelo Congresso, que permitia aumentar as despesas sem lastro. O teto, ao indexar as despesas, tornou inútil inflar receitas. Mas não resistiu a um ataque concentrado do Centrão com apoio do presidente e do ministro da Economia. Antes de ser furado, a Câmara já havia tentado uma saída que nada tinha de criativa e muito de desfaçatez - o corte de despesas obrigatórias. Para garantir o presidente no cargo, vieram depois as emendas clandestinas do relator, distribuídas pela Casa Civil e a elite do Centrão e partidos que apoiam o governo.

PP, PL, PSD, as principais legendas do grupo, sempre estiveram menos preocupadas em chegar ao poder do que em aumentar suas bancadas no Legislativo, que decide o destino de verbas públicas. Tiveram sucesso na empreitada, e com a guinada conservadora, marcada pela chegada de Bolsonaro ao poder, possivelmente terão representação maior na próxima legislatura. O orçamento saiu do controle do Executivo, o que é uma enorme dor de cabeça para o próximo presidente, seja ele quem for.

A representação política tornou-se um enorme problema. Não basta pedir aos eleitores que escolham bem seus candidatos porque máquinas partidárias sem princípios dominam a oferta - que é péssima e em grande quantidade, atraindo uma leva de aventureiros e oportunistas, sem o menor espírito público. A diminuição do número de partidos, pela cláusula de barreira, é um princípio tímido para corrigir os desvios, embora lenta e sujeita a retrocessos - sendo o Congresso o que tem sido.

Valor Econômico