Por Pedro do Coutto
Na edição de ontem, a primeira página do O Globo apresentou uma foto do evento em que Jair Bolsonaro assinou a sua inscrição no PL para concorrer às eleições presidenciais de 2022. Uma faixa ao fundo dizia que o presidente era o autor do maior projeto social do mundo, o que realmente gera perplexidade porque não pode haver projeto de desenvolvimento social com os salários congelados e com um quarto da população passando fome. O PL de Valdemar Costa Neto, presidente da legenda, referiu-se ao Auxílio Brasil cuja passagem pelo Congresso está acentuando o desabamento da legislação brasileira.
Reportagem de Jussara Soares, Daniel Gulino, Natália Portinari, O Globo, focaliza a manifestação que ocorreu sob a luz do cartaz que nada tem de verdadeiro. Nada tem de verdadeiro também o processo de aprovação da PEC dos Precatórios pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Na mesma edição de O Globo, Geralda Adoca, Julia Lindner e Manoel Ventura retratam com precisão o caminho tortuoso que a PEC, criada no laboratório do Ministério da Economia, está percorrendo no Congresso Nacional.
ABSURDO TOTAL – É praticamente inacreditável que se transforme a apreciação de uma emenda constitucional num processo adotado para os projetos de lei ordinária e ainda por cima que se proponha na legislação constitucional algo episódico e temporário, a exemplo dos recursos destinados ao Auxílio Brasil.
Não fossem suficientes esses dois exemplos fantasmagóricos, ainda verificamos que o relator da proposta do Senado, Fernando Bezerra, líder do governo Bolsonaro, na tentativa de aprovar a matéria de qualquer maneira, colocou um dispositivo que adia o pagamento de precatórios, de modo geral, para num movimento isolado assegurar o pagamento em três anos, e cujos titulares são professores de órgãos federais.
Jamais se poderia imaginar que uma coisa assim acontecesse. E mais, sob o silêncio do senador Rodrigo Pacheco, presidente da Casa, e cuja atuação nesse momento vinha sendo positiva. O pagamento dos precatórios aos professores são os do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento de Valorização do Ministério.
PEC DO CALOTE – O custo dos precatórios está estimado em R$ 89 bilhões, enquanto os precatórios dos professores a serem pagos em três anos atingem o montante de R$ 10 bilhões. Quarenta por cento em 2022, trinta por cento em 2023 e trinta por centro em 2024. Como o dispositivo parcelou os precatórios dos professores e não há sinal de parcelamento para as demais dívidas judiciais, os precatórios devidos a estas ficarão para as calendas gregas. A PEC dos Precatórios transforma-se na PEC do Calote.
Aliás, a Constituição brasileira está sendo violada num momento em que o Senado emenda um projeto aprovado pela Câmara e não considera rejeitada a matéria original. Como escrevi outro dia, só se emenda aquilo que se rejeitou. E no caso da emenda constitucional, a rejeição remete o conteúdo da emenda para o arquivo, só podendo ser reapresentada no próximo exercício legislativo. Mas a bancada do governo e o líder Fernando Bezerra não querem saber desse limite. Vale tudo e assim submerge a verdade brasileira, a moral do país, a ética dos fatos.
Querem votar o Auxilio Brasil às custas do direito dos titulares dos precatórios. Trata-se não só de um calote, mas de uma subversão completa, uma bagunça absoluta, numa transferência de renda de assalariados que contribuem a vida inteira para a Previdência Social para os que vivem na miséria sem contribuição alguma. Transferência de renda é, isso sim, a passagem de recursos do capital para o trabalho e não do trabalho para a assistência social.
PROJETO ELEITORAL – O projeto do Auxilio Brasil, é claro, é eleitoral. Mas, se benefícios assistenciais garantissem a vitória de quem está no poder, o governo não perderia eleições no mundo. E acontece exatamente o contrário, como os exemplos demonstram. Mas a visão do ministério comandado por Paulo Guedes não leva em conta que transferir carências sociais para ganhos de assalariados não resolve coisa alguma.
Jair Bolsonaro e Paulo Guedes não querem resolver nada fora da visão no capitalismo ortodoxo. É uma posição que Guedes injetou no governo. Tanto, que ele próprio aplicou investimentos no paraíso fiscal das Ilhas Virgens para escapar, como ele próprio disse, da tributação dos Estados Unidos e, acrescente-se, também da tributação brasileira. No meio do redemoinho em que se transformou a administração do país, o próprio presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, fez aplicações também em paraísos fiscais.
ORÇAMENTO SECRETO – Reportagem de Bernardo Mello, O Globo, revela que no Congresso, portanto tanto a Câmara quanto Senado Federal, os bolsonaristas, o integrantes do Centrão, representantes dos partidos que se apresentam como dispostos à terceira via, aprovaram novas regras para o orçamento secreto, desrespeitando assim a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria por nove votos a um. A aprovação ocorreu por larga margem. Entre os senadores, uma surpresa: votou a favor Rogério Carvalho do PT de Sergipe.
Incrível a votação do Congresso, sob a capa de estabelecer um limite para as emendas de tais orçamento, manteve oculto os nomes dos parlamentares que receberam as verbas ao longo deste ano. Deixaram no ar o aspecto relativo à administração do orçamento envolvido por uma penumbra capaz de dificultar o movimento das verbas e suas destinações. De fato, os três episódios das últimas 24 horas demonstram a falência da verdade política e a falência moral predominantemente mais efetiva em todo o país.
Tribuna da Internet