terça-feira, novembro 30, 2021

Ministérios e corrupção




O que impede que coalizões não degenerem em acordos escusos?

Por Marcus André Melo (foto)

Duas manchetes —uma internacional, outra doméstica— dão o mote para uma coluna sobre a formação de governos em contextos multipartidários. A primeira: "Alemanha finalmente escolhe o sucessor de Merkel". Pela primeira vez o país terá uma "coalizão semáforo" com três partidos: SPD, Verdes e Liberais (FDP). A segunda: "Minha reeleição na Câmara não depende da reeleição de Bolsonaro, diz Lira".

Sob o parlamentarismo, a formação de governos tipicamente envolve acordos formais programáticos como também a divisão de pastas ministeriais, como mostrei neste espaço em 14/2. Nos casos em que não se formam maiorias, o governo continuará minoritário, mas alguns partidos fora da coalizão assinam acordo de não obstrução, garantindo a investidura.

O acordo tem 155 páginas e levou 32 dias para ser forjado; deverá ser ratificado em convenções pelo SPD e FDP e pelos afiliados dos Verdes. Ele estabelece uma repartição dos 16 ministérios: sete para o SPD, cinco para os Verdes e quatro para o FDP. O FDP jogou mais uma vez como kingmaker: com 11% das cadeiras, exigiu a pasta mais importante, a das Finanças. A economia foi o pomo da discórdia, como em 2017, quando o FDP se retirou da negociação depois de 171 dias por discordância sobre como conduzi-la.

Sim, é claro que em sistemas presidencialistas, o(a) chefe do Executivo não depende do Legislativo nem para investidura no cargo nem para sobrevivência nele. Mas um divórcio completo só emerge em casos excepcionais. Apenas quando o(a) presidente opta por governar sem uma coalizão formal e sem uma agenda de governo é que o divórcio se instala. Afinal, o Executivo dispõe de um arsenal de instrumentos para a formação de maiorias, inclusive a distribuição do portfolio ministerial entre os partidos que lhes dão sustentação parlamentar. Como na Alemanha.

A principal clivagem entre nós é governo versus oposição; não é entre partidos. O presidente sequer tem partido, algo inconcebível nas democracias.

A questão então é por que esses acordos têm degenerado entre nós em arranjos predatórios e não estão ancorados em contratos programáticos?

A explicação é obviamente complexa e há muitas variáveis envolvidas, mas duas são fundamentais: os partidos e as instituições de controle latu senso. Em democracias como a Alemanha, estas não só punem os desmandos como têm efeito dissuasório sobre a prática de delitos. Quando são efetivas, elas eliminam o chamado problema de ação coletiva da corrupção: o incentivo à prática de atos ilícitos quando se assume que todos os demais atores do jogo também o farão.

O pior dos mundos é quando postos destas instituições entram na barganha política.

Folha de São Paulo