Presunção e água benta, dizia minha avó, cada um toma quanto quer. É daqueles ditados que, quando se é criança, custam a fazer sentido, mas ficam na cabeça de tanto que são repetidos.
Por Vera Magalhães (foto)
Pois foi nele que pensei quando vi Rodrigo Pacheco, 44 anos, se esforçando para ficar empertigado e emular a pose de um dos muitos pôsteres de seu conterrâneo Juscelino Kubitschek na solenidade em que se filiou ao PSD, primeiro passo de um ainda embrionário projeto de candidatura presidencial.
O dito faz menção à falta de limite para a vaidade humana, e, no caso dos políticos brasileiros, haja água benta. Diante de uma realidade em que todos juntos têm menos que Lula e Jair Bolsonaro separadamente nas pesquisas, os quase dez candidatos a ser a alternativa à polarização em 2022 se comportam como se fossem a última bolacha de um pacote disputado a tapa pelos eleitores.
Não fosse essa autoestima exacerbada, como explicar o surgimento diário de candidatos de si mesmos, antes de qualquer mínima definição de propositura para o país?
Pacheco certamente é um dos políticos em ascensão no país, tem uma trajetória rara de sucesso rápido e demonstra tirocínio e capacidade de negociação. Mas a comparação com JK é absolutamente descabida, soa apenas a artifício de marketing quando o Brasil vive seu momento de maior gravidade política, social e econômica.
Não é uma associação mimética e desprovida de base fática que viabilizará um candidato capaz de ombrear com um presidente que, mesmo com o desastre que promoveu em todas as áreas da gestão pública, mostra resiliência e manutenção de uma sólida base social, mobilizada e disposta a chancelar um novo mandato para ele.
Nem com Lula, que resistiu a uma prisão de mais de um ano e lidera com folga todos os cenários de primeiro e segundo turnos, ancorado num partido com capilaridade e capacidade de resistência mesmo em adversidades como a Lava-Jato, que colheu boa parte de sua cúpula.
E não é só Pacheco que escorrega nessa ilusão de ser o ungido antes mesmo de dizer a que veio. Como explicar que uma sigla nanica como o Novo, que mais parece um adolescente mimado com discussões bizantinas de sua meia dúzia de filiados e mandatários, filie um candidato de última hora e o coloque num páreo já congestionado? Por que seria Luiz Felipe d’Ávila, e não qualquer um dos outros já postos, o “novo JK”, ou Biden, ou Macron, ou seja qual for a fantasia que se busque antes mesmo de qualquer projeto?
Que o cientista político que vinha defendendo justamente um entendimento para reduzir o número de candidaturas tenha entrado na espiral ególatra e se colocado entre os postulantes também é um sintoma inequívoco de que nenhum deles parece ter compromisso sério em ajudar a superar a chaga histórica que é o governo Bolsonaro.
JK já era um político experimentado, com tarimba administrativa, quando chegou à Presidência. Antes, durante e depois enfrentou uma conjuntura política complexa, como sói acontecer no Brasil. No curso de um mandato, tirou uma cidade da prancheta no meio do nada.
Não há nenhum paralelo possível entre essa trajetória e a de Pacheco, ou de qualquer um dos que se engalfinham por representar uma terceira via que, dessa forma, não está nem no horizonte de um eleitor preocupado em saber quem lhe dará emprego, saúde, renda e escola.
Mas, em vez disso, candidatos estão mais interessados em suas costuras internas, partidárias, até aqui amplamente descoladas da realidade nacional. Um exemplo magistral desse grau de descolamento foi dado nesta semana pelo tucano João Doria, que, numa solenidade no interior da Paraíba, perguntou quantos na plateia já tinham ido a Dubai.
Nessa toada, o caminho não poderia estar mais livre para um encontro entre Lula e Bolsonaro no segundo turno no ano que vem.
O Globo