Felipe Bächtold
Folha
O ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Herman Benjamin diz que a nova Lei de Improbidade Administrativa pode provocar um “caos judicial”, com uma série de pedidos de revisão de ações que tramitaram sob as regras anteriores.
A Lei de Improbidade foi flexibilizada na Câmara e no Senado, em tramitação encerrada no início do mês. O projeto foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro na terça-feira (26) e já entrou em vigor.
GRANDES CORRUPTORES – Benjamin, que é ministro da corte há 15 anos, participou de audiências nas duas Casas legislativas para discutir as mudanças. Crítico do texto aprovado, diz que as alterações vão blindar especialmente grandes corruptores, como empresas com contratos públicos.
Os apoiadores do projeto argumentaram ao longo da tramitação que era necessário mudar a lei para evitar abusos que recaíam principalmente sobre gestores de pequenos municípios, afastando da política quadros qualificados que tinham receio de processos.
Para o ministro do STJ, pegou-se carona nessa premissa para criar um conjunto de dispositivos que desmontam o alcance da legislação, criada em 1992. Em entrevista à Folha, ele não poupa palavras para definir as mudanças.
BÔNUS-CORRUPÇÃO – Chama um dos trechos de “bônus-corrupção”, afirma que alterações tornam o trabalho do Ministério Público em muitas situações uma “missão impossível” e diz que se abre caminho para a não punição por meio da lei, por exemplo, para a tortura policial.
Diferentemente do que ocorre na esfera penal, a Lei de Improbidade não prevê a possibilidade de prisão, mas sim de perda de função pública, suspensão de direitos políticos e de ressarcimento de prejuízos em casos de violação de princípios da administração pública.
Benjamin teve papel importante em desdobramento da Operação Lava Jato, ao relatar no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) processo sobre pagamentos de empreiteiras à chapa Dilma Rousseff-Michel Temer na campanha presidencial de 2014. Em 2017, essa ação foi julgada e rejeitada —o ministro foi um dos que votaram pela cassação do mandato.
COMBATE À CORRUPÇÃO – Hoje, diz que o combate à corrupção “ganhou uma notoriedade na sociedade brasileira que não pode ser ignorada”. Para ele, o combate deve ser feito sem exageros, sem estrelismo, sem personalismo, sem injustiça. “Mas também não pode ser feito com omissão, com medo.”
O projeto aprovado, patrocinado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que é condenado em segunda instância por improbidade, uniu diferentes correntes políticas, como bolsonaristas, petistas e tucanos.
“Duas coisas acontecem no dia em que qualquer lei é promulgada, por melhor redigida que seja: ela começa a envelhecer e começamos a descobrir defeitos, pontos que poderiam ser aperfeiçoados. É exatamente o caso da Lei de Improbidade”, diz o ministro.
ERA UM EXEMPLO – Mas, no geral, o balanço que se faz é que a lei, antes da modificação, foi realmente um marco divisor do nosso país. Tanto que é citada pelos organismos internacionais como um modelo para o mundo.
Espaço para reforma havia de sobra. Mas que tipo de reforma? Precisava de atualização, primeiro, para incorporar mecanismos de combate à corrupção sofisticada, hiperorganizada e globalizada. Segundo, para incorporar aspectos que foram incluídos pela jurisprudência, como nepotismo e ofensa aos direitos humanos. Terceiro, para corrigir imperfeições que levassem a injustiças, sobretudo em seu artigo 11, que precisava realmente de uma atualização para impedir que ilegalidades simples se transformassem em improbidade. Separar o joio do trigo.
Segundo o ministro Herman Benjamin, ocorreu o contrário e a blindagem de grandes empresas corruptoras e ímprobas é o que se observa em boa parte.
BLINDAGEM GERAL – Está dito o seguinte: “Sócios, cotistas, colaboradores de empresas não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos”.
“Imagine provar que um presidente de construtora teve benefícios diretos [com uma fraude]. Que benefícios tem? Nenhum. O salário dele continua o mesmo. Pode-se retirar a responsabilidade simplesmente porque não recebeu um benefício —que tem que ser direto”, salienta o ministro.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – O pior é a transformação do Brasil em pária internacional. Nos demais países está ocorrendo exatamente o contrário – o avanço da “compliance”, com leis que determinam vigilância interna nas empresas, para evitar corrupção. De 2019 para cá, com o fim da prisão após segunda instância, novas leis e “interpretações” transformaram o Brasil no “País de Impunidade”. Apenas isso. (C.N.)