TSE decidiu que Bolsonaro terá seu registro cassado e pode ser preso por disparo de mensagens em massa durante a campanha de 2022. Hoje, segue sendo presidente do Brasil
Por Ascânio Seleme (foto)
Três anos depois de receber a denúncia, o Tribunal Superior Eleitoral arquivou o pedido de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão por abuso de poder econômico no disparo de mensagens em massa. Todos os ministros concordaram que houve abuso, alguns foram mais enfáticos do que outros, mas cada um deles confirmou que viu, sim, indícios de crime eleitoral no episódio. Nenhum, contudo, condenou a chapa. Alegaram que não foram apresentadas provas de que houve benefício eleitoral para a dupla vencedora com os disparos em massa. Não precisa ser especialista para saber do poder e da eficiência das redes sociais em campanhas eleitorais. Desde a primeira eleição de Barack Obama, em 2008, é assim. No Brasil de 2018, foi escandaloso. Você sabe, eu sei, os ministros do TSE também sabem.
Alexandre de Moraes disse em seu voto que “a justiça é cega, mas não é tola”. O julgamento dos disparos em massa pelo TSE teve um inegável mérito, o de estabelecer parâmetros para a conduta eleitoral nas redes sociais daqui em diante. Por outro lado, significa que o que não foi crime hoje será crime amanhã. Se não há provas hoje para punir, elas serão desnecessárias em 2022. Pela tese aprovada pelos ministros, os simples disparos em massa com desinformação serão considerados abuso de poder. O tribunal decidiu que o abuso cometido hoje só será punido se for cometido de novo a partir das próximas eleições. Aparentemente, o TSE julgou olhando para o cenário político.
O país está calmo, o presidente obsceno está quieto e parou de ameaçar as instituições, por que então o TSE geraria turbulência no cenário pacificado, mesmo que artificialmente? Para aplicar a lei, talvez fosse a resposta mais apropriada. Outra pergunta, como seria este mesmo julgamento se Bolsonaro tivesse continuado em sua sanha golpista que quase explodiu no Sete de Setembro? Se o país estivesse contaminado pelo ódio bolsonarista e anti-institucional que se viu com a ameaça de invasão do Supremo, os senhores juízes votariam da mesma forma? Eu acho que não. Minha impressão é que, neste caso, teriam cassado a chapa e posto fim ao mandato e aos direitos políticos de Bolsonaro por oito anos.
Outra questão a ser considerada, se a Justiça for mesmo igual para todos, como reza a Constituição, é a cassação do deputado estadual Fernando Francischini. Seu crime foi muito menor e com impacto absolutamente insignificante diante do que representaram os disparos em massa mentirosos que desvirtuaram a eleição presidencial. No máximo, a mentira de Francischini elegeu Francischini. O crime da chapa de Bolsonaro pode ter mudado a História do país. Isso aqui não significa defesa de Francischini, obviamente não. Trata-se de um criminoso que deveria ser condenado e finalmente uma fake news está sendo punida com o rigor da lei. O fato é que a mesma lei deveria ter sido aplicada a Bolsonaro. É simples.
Há também a questão que o ministro Alexandre de Moraes chamou de “lapso temporal”. Trata-se do impacto sobre o resultado no julgamento da conhecida lentidão da Justiça. Faltando um ano para a eleição de 2022, cassar uma chapa e os direitos políticos de um dos candidatos representaria riscos institucionais. Pode ser. Mas, de outro modo, imaginem o prejuízo causado à Nação se o TSE tivesse encontrado provas do crime e os ministros fossem obrigados a cassar a chapa. A decisão seria correta, a justiça seria feita, mas não apagaria os quase três anos de mandato e as dezenas de crimes cometidos por Bolsonaro neste período. Nem ressuscitaria os milhares de mortos por Covid que acreditaram no charlatão. Como se vê, a morosidade da Justiça pode matar.
Finalmente, tem que se levar em conta os que entendem que o tribunal mandou um recado para os partidos e especialmente para o Gabinete do Ódio de Bolsonaro. Ao estabelecer regras para os próximos pleitos, o TSE fez o balizamento que limita o uso indevido das redes sociais por campanhas eleitorais. Foi mais do que um recado, foi uma medida que terá repercussões no futuro. A novidade impede o uso de uma das principais ferramentas do bolsonarismo e vai representar um grande prejuízo para a sua campanha em 2022. Pelo mesmo crime, no ano que vem, Bolsonaro terá seu registro cassado e pode ser preso. Hoje, segue sendo presidente do Brasil.
Espertalhão 1
Uma rápida pesquisada no perfil de Maurício Souza nas redes sociais e um único “Google” nas suas atividades bastam para saber que dali não podia se esperar muita coisa mesmo. Bolsonarista desavergonhado, acabou de chegar da Olimpíada de Tóquio (onde foi o pior jogador na derrota para a Argentina pelo bronze) e correu para o Palácio do Planalto para um beija-mão solitário. A reação homofóbica ao desenho super-homem bissexual não tinha sido sua primeira manifestação neste sentido. Foi a primeira notada. Ao ser obrigado a se desculpar, teve a simpatia do presidente, que pensa como ele. “Agora tudo é feminismo, tudo é homofobia”, disse sua excelência, o obtuso. Maurício acabou demitido por ser também espertalhão. Primeiro, pediu desculpas em perfil recém-criado, com pouco mais de 50 seguidores, depois, pediu perdão dizendo que apenas exercia sua liberdade de expressão. Com a demissão consumada, rasgou a fantasia e atacou Douglas, seu ex-colega de seleção assumidamente gay. Não passa de um ignorante que mereceu o destino que teve.
Exxon x Musk
O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que em 30 anos a Petrobras não vai valer mais nada. Pode ser, já que o mundo corre por energia limpa e renovável como forma de garantir o seu próprio futuro. O G1 publicou esta semana que Elon Musk (US$ 289 bilhões), dono da Tesla, empresa de carros elétricos, vale mais do que a Exxon (US$ 272 bilhões), a maior petrolífera do mundo. Pena que, para o governo brasileiro, energia limpa, proteção ao meio ambiente, combate à queimadas e essas coisas todas sejam “mi-mi-mi de esquerdistas que não querem o desenvolvimento do país”. Tanto que mesmo estando na Europa, Bolsonaro não vai participar da reunião de líderes na COP- 26, em Glasgow, na Escócia. O ecocida preferiu fazer turismo na Itália.
Astronauta burro
Até Paulo Guedes, que não é esse gênio todo, muito pelo contrário, reconhece que não basta ser militar para ser eficiente ou inteligente. Guedes chamou de burro o tenente-coronel Marcos Pontes, o astronauta brasileiro que virou ministro da Ciência e Tecnologia de Bolsonaro. Pontes não conseguiu gastar dois terços do seu orçamento, e não por austeridade, mas por absoluta incompetência. Faltaram ideias, projetos, visões. Ou foi burrice mesmo, Guedes tem razão.
O escafandrista
Outra do Paulo Guedes foi o agradecimento choroso a Bolsonaro quando ganhou sobrevida na cadeira em que está agarrado. Encantado, disse que estava morrendo afogado quando o chefe apareceu para lhe dar a mão. Melhor usar um escafandro, ministro, vai haver ainda pela frente muita água profunda, escura e turbulenta para atravessar.
Espertalhão 2
Sabe o que significa a investigação preliminar determinada pelo procurador Augusto Aras sobre as denúncias da CPI da Covid? Nada. Significa nada. Apuração de crime só conta quando uma denúncia é oferecida pelo Ministério Público à Justiça. O que Aras fez foi ganhar tempo e posar de independente. E o tempo que ele ganhou é indeterminado, o mesmo prazo que deu para que as investigações preliminares sejam conduzidas. Cabe ao Observatório da Pandemia, criado pelo G7 da CPI, colocar fogo em Aras. Se deixar sem pressão, em um ou dois meses ele arquivará o documento de 1.288 páginas dizendo que não encontrou elementos para oferecimento da denúncia ou abertura de inquérito. Pensando melhor, acho que nem com pressão a coisa vai andar.
A turma do Lira
Arthur Lira não tem a menor vergonha em sempre se posicionar do lado errado. O ataque à CPI da Covid por ter pedido o indiciamento de deputados é o exemplo mais recente. Papa do fisiologismo, o presidente da Câmara golpeou a mais importante Comissão Parlamentar de Inquérito desde a do PC Farias alegando que ela não tem poder para indiciar parlamentar. Bobagem. Lira abriu a boca para defender os seus: Ricardo Barros (que responde na Justiça por chantagem, desvio de dinheiro público, fraudes em licitações e defesa de nepotismo, foi indiciado por seu envolvimento no esquema Covaxin-Precisa, incitação ao crime, advocacia administrativa, formação de organização criminosa e improbidade administrativa), Bia Kicis (acusada por racismo, divulgação de fake news, indiciada por incitação ao crime), Carla Zambelli (condenada por fake news, denunciada por falta de decoro, acusada de ter mentido ao afirmar ter se curado de Covid com hidroxicloroquina sem nunca ter sido acometida pela doença, indiciada por incitação ao crime ), Carlos Jordy (denunciado por campanha de difamação contra youtuber, ameaça a jornalista e fake news, indiciado por incitação ao crime), Osmar Terra (réu por improbidade administrativa, foi indiciado por incitação ao crime e por epidemia com resultado morte) e Eduardo Bolsonaro (denunciado por ameaça de agressão física a jornalista, ataques virtuais a desafetos, defesa do fechamento do STF e apoio à volta do AI-5, foi indiciado pela CPI por incitação ao crime charlatanismo). Esta é a turma que Lira defende.
E aí, Kajuru?
Na semana passada, o senador Jorge Kajuru denunciou o líder do governo no Senado, Eduardo Gomes, por ter lhe oferecido R$ 100 milhões em emendas se ele parasse de bater no governo. Quer dizer, em outras palavras, um enviado do presidente da República queria usar dinheiro público para comprar um parlamentar. Isso pode? Vai ficar por isso mesmo, Kajuru?
Dois sábados
Deixo os caros leitores em sossego pelos próximos dois sábados. Nos vemos de novo no dia 20 de novembro.
O Globo