Corrupto ou não, tanto faz, contanto que o campo em que o ator político em questão jogue reforce os interesses dos poderosos.
Por Luiz Felipe Pondé
A rigor, a corrupção pode ser um ativo ou um passivo na economia política. Se for a favor de X, Y será exposto publicamente. Se for a favor de Y, X será exposto publicamente. As reações dos atores sociais e políticos —incluindo as instituições e agentes jurídicos— dependerão de inúmeras variáveis, sendo a ética entre elas uma das menos relevantes.
Quem negar o raciocínio acima é mentiroso ou ignorante. A validade da ética depende de quanto falar em nome dela tiver peso no marketing do momento. O resto é conversa fiada, mesmo que acompanhada de gestos e palavras graves.
Se você acha que esse argumento é horrorosamente niilista, você tem razão, mas o niilismo não deixa de ser uma ferramenta consistente de análise do mundo contemporâneo só porque você o acha feio. Sinto muito.
Nada disso quer dizer que a corrupção não seja um mal para a operação de um Estado ou de uma sociedade, apenas quer dizer que sua gestão é levada a cabo de um ponto de vista da sua validade como um ativo do marketing político contrário a alguém, dos freios e contrapesos institucionais à disposição num dado momento do jogo político, de mídia e de mercado, e dos interesses das diferentes forças ideológicas em jogo em busca de alcançar o poder.
Política é sobre poder, nunca foi sobre ética. Só idiotas pensam que é sobre ética.
Exemplo crasso do que acabei de dizer é o fato que o ex-presidente Lula, após ter sido preso e julgado como suposto chefe de uma gangue de corruptos, não só foi reabilitado pelo establishment jurídico do país da mais alta envergadura, como continua sendo visto pela casta política internacional “progressista” como sendo um expoente válido das lutas sociais contemporâneas. Corrupto ou não, pouco importa, na verdade. Contanto que o campo em que você jogue como ator político reforce os meus interesses geopolíticos.
Nenhuma profissão escapa dessa realidade, mas claro que nem sempre envolvendo a grana alta que a corrupção que une altos empresários e o Estado tem à disposição.
Às vezes, está em jogo apenas um cargo na universidade, uma banca de concurso, uma simpatia ideológica na Redação de um veículo de mídia, enfim, o tráfico de influência de baixo impacto no somatório da corrupção como fenômeno estrutural, mas de alto impacto para o destino das pequenas carreiras em jogo.
Evidente que existem países em que a corrupção é menos endêmica do que no Brasil e similares. Isso decorre do fato de que nesses lugares ela não é um ativo político significativo, apenas o é como passivo político —no Brasil, vale a pena ser corrupto.
Em países pequenos, com populações pequenas, sem muitas tensões, com pouco dinheiro disponível e com um sistema em que há pouco espaço de mobilidade —todo mundo é “obrigado” a ser de classe média— a corrupção pode ficar sob um certo controle.
Agora estamos diante de mais um caso gritante de corrupção no Brasil —os casos envolvendo a pandemia, as descobertas da CPI e a administração Bolsonaro. A mídia faz seu trabalho berrando. Aliás, para a mídia, os escândalos de corrupção importam antes de tudo como elemento de impacto público e publicitário. Os atores que trabalham na mídia estão bastante dispostos, por exemplo, a atenuar, no seu espaço privado de opiniões políticas, as suspeitas de corrupção que pesam sobre o ex-presidente Lula facilmente.
O que acontecerá com todos os escândalos apontados pela CPI da pandemia? O PT não quer o impeachment de Bolsonaro, todo mundo sabe, porque prefere enfrentar um Bolsonaro sangrando até a morte em 2022 do que algum candidato que possa derrotar Lula.
Dito isso, nada vai acontecer. Os achados da CPI poderão ter impacto nas eleições de 2022, mas a tendência é que as forças políticas fiquem indiferentes aos achados —incluindo os senadores que compõem a CPI— na dependência direta dos cálculos políticos que seguirão nos próximos meses.
Se a pandemia seguir o curso de queda, em breve esqueceremos dela, dos seus mortos e dos seus escândalos de corrupção. O que nos separa desse fato hoje é apenas o uso de máscaras.
FSP