segunda-feira, setembro 27, 2021

Se as estatais passaram a dar lucro, por que vender Furnas, Chesf, EletroSul e EletroNorte?

Publicado em 27 de setembro de 2021 por Tribuna da Internet

Lucratividade anunciada por Bolsonaro contrariou o posicionamento de Guedes

Pedro do Coutto

No discurso que fez ao abrir a sessão da ONU deste ano, o presidente Jair Bolsonaro fez uma afirmação que até aqui não foi destacada, nem no noticiário e nem nos comentários sobre os ângulos econômicos que se incluíram em seu pronunciamento. Ele afirmou, por exemplo, que as empresas estatais que davam prejuízos financeiros passaram a dar lucros em seu governo num espaço de tempo, portanto, de praticamente três anos.

Se as estatais passaram a ser lucrativas também sobre o prisma financeiro, além do caráter econômico e social, não há porque tentar privatizá-las, como é o caso de Furnas, da Chesf, da EletroSul e da EletroNorte que formam o sistema da Eletrobras e que, no fundo, é uma holding baseado nas empresas produtoras e transmissoras de energia elétrica. A privatização, desde o primeiro momento, foi defendida, como se constata  pelo ministro Paulo Guedes, que chegou  na reunião de 22 de abril de 2020 a dar ênfase a uma perspectiva de privatização até do Banco do Brasil: “vende logo essa empresa (usou outro termo), presidente”.

PRIVATIZAÇÃO – A lucratividade anunciada por Jair Bolsonaro certamente contrariou o posicionamento de Paulo Guedes, cuja proposta era a de realizar a privatização pela compra de ações no mercado que viessem a ser emitidas pela Eletrobras. Portanto, o projeto não tratava e nem trata da aquisição de ações do sistema que tem a Eletrobras como holding. Baseia-se aparentemente na colocação de novos papéis, o que transformaria a privatização em custo pouco acima de zero quando o comprador ou compradores assumissem a transação. Isso porque passariam a ser detentores das ações com participação nas decisões majoritárias.

Entre as decisões, poderia figurar, por hipótese, a emissão de novos papéis no mercado financeiro. Esta é uma questão essencial. Mas existem outras. A pergunta óbvia é a de que, se deficitárias tornaram-se lucrativas, em primeiro lugar o seu valor de mercado ampliou-se enormemente. Em segundo lugar, como me referi no título, não há razão para privatizar o que está fornecendo lucro no sistema estatal.

Somente me refiro ao setor elétrico porque é esse o ponto chave do projeto Paulo Guedes. Projeto que, por sinal, provocará forte reação eleitoral contrária à candidatura de Jair Bolsonaro nas urnas de outubro de 2022. Assim, dois fatores fundamentalmente contrários ao Planalto predominam no panorama político do país. Uma confusão.

MIL DIAS DE GOVERNO – Jussara Soares , Naira Trindade, Dimitrius Dantas, Gabriel Shinohara e Rayanderson Guerra, em reportagem publicada na edição de ontem, domingo, no O Globo, destacam que ao longo de mil dias de governo, a partir portanto de janeiro de 2019,  a média de crises no governo Bolsonaro é de três a cada trinta dias.

São múltiplas, sequentes, marcadas por avanços, recuos e por absurdos como a de cancelar eleições e não cumprir decisões do ministro Alexandre de Moraes, para citar apenas essas. A mais grave, porém, refere-se à absoluta desorganização na área do ministério da Saúde, no combate à Covid-19, bastando citar o episódio envolvendo a vacina indiana Covaxin, a intermediária Precisa  e o preço 50% acima do valor de mercado.

A Precisa estimou precisamente o valor de US$ 1,5 a unidade, quando o preço internacional é de US$ 1 por unidade. O combate à pandemia criou os piores reflexos, especialmente o que culminou com a demissão do médico Henrique Mandetta. Ao todo, lembram os repórteres, até agora foram substituídos 19 ministros. Na Saúde ainda, Marcelo Queiroga revela-se um desastre.

OUTROS EXEMPLOS – Mas não só ele. O que dizer de Ricardo Salles no Meio Ambiente? De Abraham Weintraub na Educação, que chamou os ministros do Supremo de vagabundos e que o presidente da República deveria prendê-los? Um capítulo à parte para não estender a mais alguns casos.
No caso de Sérgio Moro, este deixou-se levar pela perspectiva  de atuação que lhe foi falsamente aberta por Bolsonaro. Na realidade, naquela ocasião, como dono de uma imagem altamente positiva, a presença de Moro na Justiça avalizava o governo como um todo.

Foi um grande erro de Moro aceitar o cargo. Terminou demitido e agora procura candidatar-se à Câmara federal ou ao Senado no próximo ano. Não levou em conta, como lembra Naira Trindade, Jussara Soares e Evandro Éboli, O Globo, atenção constante num governo em que grupos de auxiliares lutam por prestígio junto ao chefe e com isso estimulam a tensão política e administrativa.

Isso de um lado. De outro, há ministro cuja atuação é totalmente desconhecida. Sergio Moro agora certamente reconhece o seu erro: se não aceitasse ser ministro da Justiça, hoje ele seria uma das grandes forças eleitorais do país. No momento, a mim parece que será certamente eleito deputado federal. Senador não garanto a mesma perspectiva.

MODELO DE CRISE – Esse é o panorama do governo e de um ministro que não deveria ser ministro por sua própria vontade, permanecendo na magistratura e buscando um mandato parlamentar nas urnas de 2022. Mas isso agora pertence ao passado. O fato dominante é que o Bolsonaro transformou o seu governo num modelo de crise permanente. São avanços e recuos. As urnas eletrônicas  não serviam e agora servem.

Participou de manifestações em Brasília pedindo o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso. Chegou ao ponto de ameaçar a realização das eleições para a Presidência da República.  Substituiu Castello Branco na Presidência da Petrobras pelos seguidos aumentos da gasolina e do diesel. Nomeou Luna e Silva que mantém exatamente a mesma política que prejudica eleitoralmente o chefe do Executivo.

A cada ponto em que aumenta a Selic, cresce em R$ 60 bilhões a despesa do governo com o pagamento de juros pela dívida interna na escala de R$ 6 trilhões. De contradição em contradição, Bolsonaro segue produzindo uma enciclopédia de crises, principalmente a crise social com parte da população sem dinheiro até para comprar alimentos.