domingo, setembro 26, 2021

O desafio da verdade no debate público - Editorial




Inerente a todo regime democrático, é fascinante a empreitada de propor ao eleitor racionalidade, responsabilidade e uma fundada esperança

As recentes pesquisas de opinião são, em boa medida, um forte alento. A maioria da população brasileira tem sido capaz de enxergar com realismo o que é o governo Bolsonaro. Segundo a última pesquisa Ipec, 68% dos brasileiros desaprovam a maneira como Jair Bolsonaro governa o País. Entre os brasileiros em idade de votar, 42% consideram o governo péssimo e 11%, ruim.

Perante a total disfuncionalidade do governo Bolsonaro, talvez esses números pareçam tímidos. Não se pode esquecer que 22% dos brasileiros continuam avaliando a administração federal como boa ou ótima. De toda forma – e tendo em conta o poder de sedução do populismo –, é especialmente alvissareiro constatar que a maioria da população não está mais refém da manipulação e da desinformação bolsonaristas.

Em sua maioria, a população entendeu quem é Jair Bolsonaro. O que o presidente da República diz continua causando vergonha e prejuízo ao País, mas já não recebe o mesmo crédito. Dois anos e meio de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto reduziram a força do bolsonarismo – e isso é uma excelente notícia para o País.

Mas as pesquisas de opinião não trazem apenas dados positivos. Nos cenários testados pelo Ipec, Luiz Inácio Lula da Silva aparece não apenas como o favorito nas intenções de voto, mas com porcentual de votos suficiente para ganhar a eleição no primeiro turno.

A respeito desses números, convém lembrar que as eleições presidenciais não são em setembro de 2021. Há muita coisa a acontecer até o pleito do ano que vem, quando as circunstâncias do País e dos candidatos serão bem diferentes das que se veem hoje. As sondagens de intenção de voto não são, portanto, uma prognose inexorável sobre as urnas de 2022.

De toda forma, mesmo com todas as necessárias ressalvas, as pesquisas sobre intenção de voto revelam um dado fundamental para o futuro do País. Constata-se uma frágil percepção sobre quem é de fato Luiz Inácio Lula da Silva, seu histórico e suas propostas. Tendo de conviver diariamente com a realidade econômica e social imposta pelo bolsonarismo, o eleitor sabe quem é Bolsonaro. No entanto, parece ter-se esquecido de quem é Lula.

O fenômeno é preocupante. O regime democrático baseia-se fundamentalmente no controle exercido pelo eleitor. Se a maioria da população, por algum estranho mecanismo psicológico, deixa de ver Luiz Inácio Lula da Silva como causa central da atual crise, em todas as suas dimensões (social, econômica, moral e cívica), tem-se um gravíssimo problema. Em vez de gerar o resultado que o eleitor espera – desenvolvimento social e econômico, melhoria da moralidade pública, fortalecimento da cidadania, entre outras aspirações –, o voto pode produzir a situação oposta, repetindo e ratificando a origem da crise. 

O cenário das sondagens de opinião revela, assim, um grande desafio para o País. Deve-se destacar, no entanto, que o futuro ainda não foi traçado. Há tempo suficiente para reverter a situação. A título de exemplo, Jair Bolsonaro obteve sua maior taxa de aprovação popular no final de 2020. Ou seja, em menos de um ano, a percepção da população sobre o governo federal mudou radicalmente.

Além de recordar a responsabilidade de Luiz Inácio Lula da Silva sobre a situação atual do País – basta ver que foi o líder petista quem inventou a candidata Dilma Rousseff e foi com medo dele que o eleitor elegeu Bolsonaro –, essa empreitada de racionalidade no debate público inclui desvelar o voluntarismo e o ilusionismo das ideias petistas. Há uma enorme distância entre o que o País precisa – propostas responsáveis e consistentes – e o que o PT vem entregando ao longo do tempo – escândalos públicos, aparelhamento e inchaço estatal, cizânia política e negacionismo econômico.

O desafio é grande, mas não deve gerar perplexidade ou paralisia. Inerente a todo regime democrático, trata-se da fascinante empreitada de propor ao eleitor racionalidade, responsabilidade e fundada esperança. Ao contrário do que alguns apregoam, as ilusões do autoritarismo e do populismo são sempre efêmeras.

O Estado de São Paulo