Publicado em 26 de setembro de 2021 por Tribuna da Internet
Pedro do Coutto
Nas edições deste sábado, O Globo e a Folha de S. Paulo transcreveram a entrevista de Jair Bolsonaro à revista Veja que circulou na sexta-feira, quando ele recuou da contestação às urnas eletrônicas e diz que agora elas são confiáveis porque o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, incluiu as Forças Armadas na equipe de acompanhamento do processo eleitoral.
A justificativa, está evidente, é apenas retórica, funcionando como um meio dele explicar a desistência do voto impresso e a perspectiva de cancelar as eleições de 2022. “Vai haver eleição”, assinalou. “A arbitragem está assegurada. A chance de golpe é zero”, acrescentou, afirmando que não vai atuar por uma ruptura institucional. Claro que Bolsonaro chegou a esse posicionamento porque foi informado da impossibilidade de um golpe militar para torná-lo imperador, como foi assinalado indiretamente em seu pronunciamento no dia 7 de setembro.
CAMINHO DAS URNAS – Assim, só restou a Bolsonaro o caminho das urnas. Por enquanto, pois no fundo ele está torcendo para ser pessoalmente atacado e, ao revidar os ataques, tentar novamente uma radicalização. A meu ver não conseguirá. Mas isso não significa que não vá tentar novamente o apelo por um desfecho totalitário. Assim não fosse, não teria participado de manifestações na Esplanada de Brasília pedindo o fechamento do Supremo Tribunal Federal, do Congresso e até tolerando apelos nas redes sociais pelo sequestro e prisão de ministros da Corte Suprema, como foi o caso de Alexandre de Moraes e Roberto Barroso.
Estrategicamente, a oposição comandada pelo ex-presidente Lula não deve partir para o aprofundamento de uma ofensiva contra o Planalto porque isso seria fazer o jogo do próprio Jair Bolsonaro. Inclusive, não está havendo necessidade de uma investida. Os fatos protagonizados pelo presidente da República, como foi o caso do discurso da ONU, são suficientes para isolá-lo politicamente.
A margem de vitória hoje delineada para Lula é muito grande, como registraram o Datafolha e o Ipec. Se as urnas fossem hoje venceria no primeiro turno. As duas pesquisas trazem consigo uma outra realidade: as fake news contém inverdades e ataques descabidos à pessoas, incluindo ameaças físicas inadmissíveis. Porém, não funcionam para fortalecer o governo ou a reeleição de Jair Bolsonaro. Se funcionassem, o índice de aprovação do governo seria muito melhor do que é e a sua candidatura teria alcançado muito mais apoio do que a fração de 23% das intenções de voto. A desaprovação do governo é de 53%, muito alta. As fake news assim podem ter efeitos destrutivos para os adversários, mas não apresentam conteúdo produtivo para o próprio presidente Bolsonaro.
LIBERDADE DE EXPRESSÃO – Muito bom o artigo das advogadas Clarissa Gross, Laura Tkacz, Mônica Galvão e Taís Gasparian publicado na edição de ontem de O Globo defendendo que, se realizada a sabatina de André Mendonça para a vaga de ministro do STF, os senadores devem exigir dele uma manifestação mais clara e mais concreta a respeito do seu posicionamento quanto à liberdade de expressão. Afinal de contas, acentuam, André Mendonça quando ministro da Justiça atacava a liberdade de expressão no que se referia às manifestações, inclusive nas redes sociais contra o governo. Mas usava o argumento em sentido oposto para justificar investidas dos bolsonaristas contra os setores de oposição.
Essa dualidade é estranha, revelando, penso, um comportamento político no caso incompatível até com o princípio constitucional. Agora, é preciso distinguir liberdade de expressão e pensamento do apelo e incentivo às ações criminosas. O incentivo às ações criminosas não configura, a meu ver, a liberdade de expressão, porque a liberdade de expressão, conforme citei, diz respeito ao pensamento, à opinião. Não pode se estender ao incentivo às ações criminosas que colocam em risco a liberdade e a vida das pessoas.
O direito à opinião é assegurado. Mas incentivar a ruptura quanto à opinião dos outros levando correligionários ao crime é outro assunto. Não se trata de desenvolver uma crítica ou uma análise. No caso de sequestro de ministros do STF é uma questão policial. Não se pode, sem dúvida, ficar em silêncio diante do incentivo a sequestros, assassinatos e outras violências, sobretudo contra os seres humanos.
INFLAÇÃO – Reportagens de Carolina Nalin, O Globo, e Leonardo Vieceli, na Folha de S. Paulo, destacam que a taxa de inflação deste ano vai superar a faixa de 110%, o que ocorre pela primeira vez desde 2016. O IBGE, por exemplo, achou 9,6% para o IPCA no período de setembro de 2020 a setembro de 2021, e o INPC de 10%, também acumulado em 12 meses, o que assinala uma confluência entre metodologias esquecidas pelo governo Bolsonaro sobre a atualização dos salários dos trabalhadores particulares e dos funcionários públicos.
Com isso, o consumo só pode baixar ou o endividamento das famílias crescerá ainda mais, uma vez que não existe outra saída para os 100 milhões de brasileiros e brasileiras que precisam viver de seus vencimentos derrotados pelos índices inflacionários. Esse processo repete-se de ano para ano, mas agora atingiu maior velocidade, tornando impossível, por exemplo, que 25 milhões de pessoas que já vivem sem condição de se alimentar corretamente possam se livrar de mais esse emparedamento social. Em setembro, de acordo com o mesmo IBGE, a inflação vai fechar o mês com 1,14% de aumento no custo de vida.
Os aumentos da gasolina, do óleo diesel, da energia elétrica incentivam fortemente o processo inflacionário. Nem poderia ser diferente. Essa velocidade terá inevitavelmente que se estender à taxa Selic porque 6,25% ao ano está abaixo dos 10% de inflação. Em tal quadro, os bancos e os fundos de investimentos que adquirem papéis do governo colocados no mercado para rolar os juros da dívida interna, em R$ 6 trilhões, estariam fazendo aplicações à base de juros negativos. No Brasil, juros negativos só para os assalariados.