sexta-feira, agosto 27, 2021

Exército rebate Bolsonaro e afirma que suspender eleições não está na Constituição do país


General Paulo Sérgio Nogueira avisou que vai cumprir a Constituição

Pedro do Coutto

Ao discursar ontem na solenidade de 25 de agosto, Dia do Soldado, o general Paulo Sérgio Nogueira, comandante do Exército, rebateu o posicionamento assumido por mais de uma vez pelo presidente Jair Bolsonaro de suspender as eleições de 2022, caso o voto impresso não fosse reincorporado à legislação brasileira.

Reportagem de Daniel Gullino e Evandro Éboli destaca nitidamente o episódio ao focalizar trechos principais do discurso do general Sérgio Nogueira, inclusive feito ao lado do presidente da República. Conforme digo sempre, em matéria política não é suficiente ver o fato, mas também ver o que está no fato. O general Paulo Sérgio Nogueira sustentou que as Forças Armadas devem atuar respeitando a missão atribuída pelo texto constitucional.

CARTA MAGNA – Logo, rebateu diretamente a solução inconstitucional defendida pelo presidente Bolsonaro de suspender as eleições de 2022. O comandante do Exército acentuou que junto com a Marinha e a FAB, o Exército mantém-se sempre pronto a cumprir a sua missão delegada pelos brasileiros e consagrada na Carta Magna. Portanto, suspender as eleições por causa da derrota do voto impresso é tão absurdo quanto frontalmente inconstitucional.

O discurso do general Paulo Sérgio Nogueira, a meu ver, reveste-se de extraordinária importância, principalmente no momento em que o presidente da República sequer distingue se somente as eleições presidenciais seriam suspensas por sua vontade ou se seriam sustadas também as eleições para governador, senador, deputados federais e estaduais.

Tenho a impressão de que nem o próprio Bolsonaro chegou a uma conclusão relativa à ameaça que praticou, sobretudo contra a democracia brasileira que se distingue pelo respeito à vontade das urnas e não em função do pensamento individual do chefe do Executivo.

GAFE – A reportagem de Daniel Gullino e Evandro Éboli assinala um fato que constitui uma grande gafe do deputado Arthur Lira, presidente da Câmara Federal. Retirou-se da solenidade antes dela terminar alegando ter um compromisso. Um absurdo. Se ele tinha um compromisso coincidente em matéria de horário, não deveria ter comparecido ao Dia de Caxias, patrono do Exército. Ou então, principalmente, deveria ter adiado o compromisso alegado.

Uma autoridade não pode se retirar no meio de um evento desta ordem. Pode não comparecer, isso é diferente. Mas tampouco pode se fazer representar porque em uma solenidade que contou com a presença do presidente da República, nenhum ministro ou autoridade parlamentar pode enviar um representante para substituí-lo.

Foi uma atitude lamentável do deputado Arthur Lira. A comemoração do Dia do Soldado não permite que os que dela estavam participando possam se ausentar antes do seu término.  O cerimonial do Planalto deveria ter alertado o deputado Arthur Lira.

RENÚNCIA DE JÂNIO QUADROS   – Excelente a matéria histórica de Fernanda Canofre, Folha de S. Paulo desta quinta-feira, sobre a renúncia de Jânio Quadros à Presidência da República e que abriu uma crise política e institucional no Brasil que até hoje ainda não terminou. Jânio Quadros, na antevéspera, havia condecorado Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul.

E, também na antevéspera, portanto em 23 de agosto, numa entrevista à TV Tupi que se tornou manchete principal do Jornal do Brasil no dia seguinte, o governador da Guanabara, Carlos Lacerda, revelou ter sido convidado por Jânio Quadros e pelo ministro da Justiça,  Oscar Pedroso Horta, para um golpe no país.

A repercussão da entrevista foi enorme. Escrevi sobre ela no Correio da Manhã. Jânio Quadros perdia com a condecoração de Guevara o apoio das correntes conservadoras e ao tentar um golpe perdeu o apoio nacional. Nos bastidores circulou a notícia de que Jânio dirigiu-se ao general Odílio Denys, então ministro do Exército, buscando apoio para intervenção federal da Guanabara. Não conseguindo apoio, renunciou.

SEM APOIO – O seu objetivo era o de contar com o apoio da população, mas não obteve êxito. Prevenido da intenção de Jânio, o deputado Ranieri Mazzilli definiu que renúncia é um ato pessoal, não dependendo de homologação de poder algum. Encerrava-se mais um capítulo da história do Brasil. Fernanda Canofre compara a atmosfera de 1961 com a que envolve hoje o presidente Jair Bolsonaro em 2021, 60 anos depois.

Jânio Quadros destruiu a obra política de Juscelino Kubitschek de reconstruir a democracia brasileira. No discurso em que transmitiu o cargo, JK lembrou a Jânio que estava entregando o poder a ele em condições muito diversas daqueles que marcaram a sua posse em janeiro de 1956.

Naquele momento, relembrou, houve a necessidade de dois movimentos políticos-militares para assegurar o respeito à vontade das urnas. “Vossa excelência assume hoje com a democracia fortalecida. Portanto em condições muito adversas daqueles em que assumi há cinco anos”, afirmava. A história se escreve com episódios assim, mas JK não poderia imaginar que Jânio fosse renunciar. Política é assim.

CENSURA –  A desembargadora Ana Maria Ferreira, do Tribunal de Justiça de Brasília mandou retirar do site do O Globo, publicou o próprio jornal ontem, informações sobre movimentações financeiras da VTCLOG, empresa investigada pela CPI da Pandemia. A matéria encontrava-se na edição online e terminou sendo publicada na edição impressa do jornal nesta quinta-feira. Um absurdo completo o despacho.

Na realidade, ela não censurou apenas O Globo  ou a TV Globo, mas sim o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que forneceu as informações à reportagem. Se o Coaf forneceu as informações, por que a desembargadora não culpou o Conselho mas o jornal ? Impressionante  a repetição de episódios desse tipo.

O jornal recorreu e lembrou que a informação tem como fonte o próprio Coaf. Se a desembargadora tentava bloquear a repercussão, sua atitude, na realidade, até a ampliou. Censura é inconstitucional, inclusive como se vê pela circulação de fake news nas redes sociais da internet.