segunda-feira, agosto 30, 2021

Bolsonaro surfa em insatisfação salarial de PMs, mas não deve ter apoio expressivo da categoria no 7 de setembro

 



Presidente estimula apoiadores e promete participar de manifestações a seu favor em Brasília e São Paulo, mas representantes da categoria dizem que ele não colherá mais do que apoios isolados de policiais

Por Afonso Benites

Brasília - O presidente Jair Bolsonaro publicou em suas redes sociais, na última sexta-feira, um trecho de uma entrevista televisiva em que um policial militar repete o lema da campanha bolsonarista ―“Brasil acima de todos, Deus acima de tudo”―, antes de responder a uma pergunta sobre uma operação policial. Foi o suficiente para reforçar os receios de que a categoria endosse os protestos marcados para 7 de setembro em apoio ao presidente, num ato que poderia reverberar na eleição de 2022. Mas, pelo menos até o início desta semana, ainda não havia sinais de uma adesão em massa pelas polícias militares. De acordo com representantes da categoria ouvidos pelo EL PAÍS, ainda que o presidente tente surfar numa onda de insatisfação salarial histórica dos PMs, ele não deve conseguir colher mais do que algumas declarações isoladas em seu apoio.

Nas últimas semanas, policiais da ativa e da reserva (aposentados) têm feito convocações de seus colegas para a manifestação do dia 7 de setembro a favor de Bolsonaro e contra o Supremo Tribunal Federal (STF), a típica pauta autoritária e antidemocrática que o presidente se acostumou a promover. A data é simbólica: o dia em que se comemora a independência do Brasil. “É uma atitude desesperada, porque o Bolsonaro não tem mais tanto apoio. Tenta gerar identificação favorável a ele. Se ele tivesse apoio, não estaria fazendo nada disso”, avalia Rafael Alcadipani, um dos principais pesquisadores de organizações policiais do Brasil e professor da Fundação Getúlio Vargas.

Os principais movimentos a favor de rompimentos vieram entre policiais de São Paulo. Um deles, da reserva: o coronel e ex-comandante da Rota Ricardo de Mello Araújo, que hoje ocupa um cargo comissionado por indicação de Bolsonaro na Central de Abastecimento Geral de São Paulo (Ceagesp). Já o coronel da ativa Aleksander Lacerda acabou afastado pelo governador João Doria (PSDB) do cargo de comandante de Policiamento do Interior da região de Sorocaba. Ambos chamavam seus colegas para participar da manifestação. O próprio presidente já disse que participará in loco do protesto em Brasília e, provavelmente, por videoconferência da mobilização marcada para São Paulo. Ele quer fazer do ato uma espécie de pré-campanha eleitoral de 2022, quando deve concorrer à reeleição.

Bolsonaro tem visto sua popularidade despencar. A rejeição ao seu Governo se aproxima dos 60%, e as últimas pesquisas eleitorais o colocam como derrotado no segundo turno pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —ou por qualquer outro dos concorrentes considerados. Até o mercado financeiro começa a emitir sinais de que está preocupado com os radicalismos do presidente. Na visão do professor Rafael Alcadipani, os policiais que têm feito essas “convocações” agem individualmente, sem o respaldo dos demais pares ou das instituições, e estão, principalmente, de olho em um palanque eleitoral vinculando à imagem extremista de Bolsonaro. “A única maneira que eles têm de aparecer é apostando na radicalização”, diz.

O especialista relata que as cúpulas das PMs demonstram ter o controle das tropas e diz acreditar que há pouca chance de que atos violentos ocorram, ainda que os setores de inteligência e as corregedorias das polícias estaduais estejam com um sinal amarelo ligado. O risco, em sua avaliação, seria os policiais “jogarem parados”. “O que poderia ocorrer, não necessariamente no dia 7, mas em qualquer momento, é a omissão da polícia. Assim como aconteceu no Capitólio dos Estados Unidos, quando os policiais não agiram e deixaram a confusão crescer”, analisa Alcadipani.

O presidente da Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais (Feneme), o coronel Marlon Tezza, diz estar tranquilo quanto aos confrontos e minimizou os chamamentos feitos pelos seus colegas. “Não passa pela nossa cabeça qualquer ruptura, qualquer tomada de poder, qualquer radicalização. Isso é o pensamento de atores isolados”, disse ele. A Feneme é a maior instituição de oficiais da Polícia e dos Bombeiros Militares, representa 75.000 dos 90.000 profissionais de alta patente do país.

Segundo Tezza, nos últimos anos a maioria dos policiais que se rebelaram, como os que fizeram um motim no Ceará em fevereiro de 2020, acabou sofrendo alguma punição. E isso tem desincentivado que eles tomem atitudes mais drásticas, deixando o radicalismo apenas nos discursos. A preocupação da categoria, diz o coronel, é na busca por melhores condições de trabalho e com reajustes salariais. “Há um descontentamento quase generalizado sobre os salários. Em um momento como esse, de ânimos exaltados, isso fica mais evidente”, explicou.

Os salários de PMs no Brasil têm uma disparidade enorme, principalmente porque eles são de carreiras vinculadas aos 27 Estados e ao Distrito Federal, e não à União. A média é de 2.446 reais para soldados e cabos, que atuam na linha de frente, e de 27.369 reais para quem está no topo da carreira, como os coronéis. Uma diferença de quase 16 vezes. Em comparação com outros oito países, o Brasil tem o menor salário mínimo para seus policiais (492 dólares) e o terceiro maior máximo (7.820 dólares). Os dados constam do Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado no mês passado.

A questão salarial também tem sido o principal motivo de queixa dos “praças”, ou seja, aqueles que estão fazendo o trabalho repressivo e ostensivo nas ruas, como soldados, cabos, sargentos e subtenentes. Eles compõem a maior parte dos 686.000 policiais ativos do país. “Não estaremos na rua no dia 7 de setembro porque a nossa pauta não é ideológica, mas de nossa categoria”, disse o subtenente Luiz Gonzaga, deputado federal pelo PDT que fez carreira como policial militar em Minas Gerais e presidiu a Associação Nacional de Praças (Anaspra).

Na visão de Gonzaga há uma identificação entre os policiais com Bolsonaro porque a categoria se sentiu excluída pelos Governos anteriores, de Fernando Collor a Michel Temer. “Não acredito que haja um movimento de ruptura institucional. Os policiais militares se sentiram empoderados por Bolsonaro porque sempre foram desprezados pelos outros Governos”, avaliou. Apesar de ser de um partido de oposição ao presidente, Gonzaga diz que não se considera opositor e afirma ser contrário ao seu impeachment, como defendem as legendas de esquerda. “Uso a política para fazer a luta de classe, e não a classe para fazer luta política. O impeachment é um movimento radical, como foi o da Dilma Rousseff. Quem quiser, tem de vencer na urna”, disse ele, que votou pela destituição da presidenta.

Com a participação ou não dos policiais, a expectativa é que os atos em apoio ao mandatário tenham adesão de outros atores políticos bolsonaristas, entre eles caminhoneiros, evangélicos, grupos saudosos da ditadura militar e ruralistas, que têm investido recursos para participar das manifestações. Por outro lado, a participação de policiais armados, à paisana, não está descartada. E essa é uma das preocupações dos organizadores de movimentos de oposição que também pretendem ir às ruas no 7 de setembro nas três maiores cidades do Brasil ―São Paulo, Rio e Brasília― protestar contra o Governo Bolsonaro.

El País