Publicado em 5 de julho de 2021 por Tribuna da Internet
Pedro do Coutto
O povo voltou às ruas do país, principalmente na Avenida Paulista, no Rio de Janeiro, em Brasília, em diversas outras capitais e até no exterior, reunindo brasileiros que vivem em cidades americanas e na Europa.
Foram manifestações maciças que atingiram profundamente o presidente Bolsonaro e o governo, sobretudo na medida em que eventos tão intensos acrescentam o que estava faltando até há pouco, a voz do povo nas ruas fechando o círculo que isola ainda mais o presidente e o Palácio do Planalto.
ISOLAMENTO – No O Globo de domingo a reportagem é de Alfredo Mergulhão, Camila Zarur, Rodrigo Castro, Guilherme Caetano, Ivan Martínez Vargas e Mariana Muniz. Na Folha de São Paulo a reportagem não é assinada, mas tanto quanto o Globo destaca as manifestações que deixam a administração Bolsonaro isolada e vulnerável a qualquer ofensiva para decretação do seu impeachment.
O repórter Ricardo Balthazar, Folha de São Paulo, relata os diversos pedidos de impedimento contra o presidente e que estão engavetados pelo deputado Arthur Lira, presidente da Câmara Federal. Lira é a última barreira colocada e voltada para resistir à onda da opinião pública contra um governo sem projeto e sem rumo, cuja atuação a cada dia piora, uma vez que o Planalto apoia-se em setores radicais da direita, nos produtores de mensagens nas redes sociais e no peso da inércia da Mesa Diretora, obstáculo para conter uma iniciativa que luta para afastar Jair Bolsonaro do cargo que ocupa, mas que não sabe agir dentro do espaço da liberdade e do regime democrático.
A pressão contra Bolsonaro aumentou no decorrer da última semana, conforme destaca Bernardo Mello Franco, O Globo. Em matéria de impeachment , acredito que a questão terminará no Supremo Tribunal Federal, quando os que assinaram os pedidos recorrerem contra a atitude de Arthur Lira.
ACIMA DA LEI – Não tem sentido o presidente de uma Casa do Congresso colocar-se acima da legislação e do bom senso, negando o recurso do plenário, o que caracteriza um caso singular. A maioria da Câmara inclina-se por votar a abertura do processo, mas encontra o bloqueio de Lira.
A contradição de tal atitude é evidente porque se a lei em vigor prevê a hipótese de o plenário rejeitar a posição do presidente da Casa, tal hipótese só pode se configurar depois que esse presidente liberar a matéria para a discussão do plenário, pois se não fizer isso estará barrando uma perspectiva legal bastante clara.
Mas como são 120 requerimentos contra o governo, os signatários deverão se reunir, penso eu, e redigir um documento comum para que a corrente possa entregar ao Supremo o desfecho e o destino da questão.
CASO HERZOG – Em um excelente artigo publicado ontem, no O Globo, Míriam Leitão destaca o transcurso dos 80 anos de Clarice Herzog, mãe do jornalista Vladimir Herzog, assassinado nas dependências do II Exército em 1975. Praticaram a farsa do suicídio por enforcamento quando ele de fato foi morto por torturas praticadas pelos órgãos de repressão, marcado por violento impulso de sadismo.
Cerca de duas semanas depois do assassinato de Herzog, um fato sinistro se repetiu com o operário Manoel Fiel Filho, nas mesmas dependências marcadas pelo desespero do jornalista e pelo desespero do operário, duas vítimas do maior crime hediondo da história que é a tortura.
Foi importante Míriam Leitão focalizar o tema em um momento em que, cada vez mais, se aproxima um desfecho que inclui o impedimento de Bolsonaro e a sua substituição por Hamilton Mourão. Isso porque, aceito o pedido de impeachment, o plenário da Câmara votará o afastamento de Bolsonaro pelo prazo de 120 dias. É possível, portanto, que superado o prazo de quatro meses, o afastamento provisório termine tornando-se definitivo.
FHC – O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em artigo publicado no O Globo, dentro de seu estilo de não entrar em bola dividida, aconselhou Jair Bolsonaro a prestar atenção ao que acontece no país, incluindo o acesso aos fundos públicos. Não deveria desviar o olhar, acrescentou, deixando a impressão de que os fundos públicos citados seriam os recursos dos planos de aposentadoria complementar das empresas estatais, como é o caso da Petrobras, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e da Eletrobras.
FHC diz que o presidente Bolsonaro deve atuar positivamente enquanto tem tempo. Discordo, pois não há mais tempo para recuar. O escândalo da compra de vacinas acentuado por Elio Gaspari em seu espaço no O Globo e na Folha de São Paulo deixa o Executivo numa situação de calamidade administrativa.
Conforme já dito aqui anteriormente, a queda livre do presidente foi acelerada pelo episódio estranhamente sombrio da intermediação da Covaxin indiana que não engana ninguém. A proposta foi arquitetada por uma teia de interesses que não dá margem para escapismos. A semana que se inicia aprofundará ainda mais a carga da opinião pública sobre o governo que faz oposição a si mesmo e, portanto, a todo o país.
MUSICAIS DO CINEMA – Para não dizer que não falei das flores, restringindo-me apenas ao cheiro da pólvora dos levantes políticos, destaco o artigo de Ruy Castro, Folha de São Paulo, sobre os musicais do cinema. Ele citou “Cantando na Chuva” (1952), de Stanley Donen e Gene Kelly, e “My Fair Lady” (1964), de George Cukor.
Concordo, acrescentando “Sinfonia de Paris” (1951), de Vincente Minnelli, e “La Ronde” (1951), dirigido por Max Ophüls. Há também que assinalar a beleza da “Noviça Rebelde”. Mas “Cantando na Chuva” e “Sinfonia de Paris”, ambos com Gene Kelly, um gênio da dança, são igualmente inesquecíveis.
Pertencem ao passado e não creio que estilo eterno de sensibilidade e beleza possa retornar na época de hoje. Deixam saudade e não se encontram nos catálogos da NetFlix, do Now ou da Amazon. Creio que a solução é adquirir os cassetes e também a tela na qual poderão ser exibidos. Ruy Castro, mais uma vez, assinala a sua condição que já lhe atribui de passageiro da história reveladora e tradutor do passado.