Rosângela Bittar
Estadão
O golpe prometido e descrito por Jair Bolsonaro como forma violenta de manter-se no poder, ao fim do atual mandato, tinha ganho um absurdo suporte institucional da Câmara e do Senado. As providências em gestação estavam aceleradas.
Certamente convencido de que não se reelegerá, Bolsonaro já anunciou que vai recusar o resultado das eleições. Para disfarçar, armou um pretexto. Exige do Congresso a criação do voto impresso, seu instrumento para contestar o resultado. Se não lhe derem o que quer, ameaça com a convulsão social.
REFORMA ELEITORAL – A Câmara do deputado Arthur Lira avançava para atendê-lo, uma contribuição ao tumulto a ser ampliada pela adesão do Senado presidido por Rodrigo Pacheco.
O arcabouço normativo do golpe vem cheio de disfarces e encontra abrigo na manobra diversionista da ampla reforma político-eleitoral. Em entrevista ao Estadão, o cientista político Jairo Nicolau lembrou que esta proposta só poderia ser feita por uma Constituinte, tal seu alcance e profundidade. Mas Lira a está fazendo à sua maneira provinciana. Produz um terremoto a partir da cooptação onerosa de ampla maioria dos deputados. Sem discussão, vai empurrando suas causas.
O retrocesso do voto impresso chegou à Câmara, como outros absurdos da agenda bolsonarista (Escola sem Partido, liberação do uso de máscaras), pelas mãos da deputada brasiliense Bia Kicis, presidente da Comissão de Constituição e Justiça.
QUEM É BIA KICIS -Ex-funcionária do governo do PT, eleita pelo PSL, dela ninguém ouvira falar até aparecer associada às manifestações antidemocráticas, citada em inquéritos sobre notícias falsas e cenas da extrema direita de contestação do Supremo Tribunal Federal.
Mas é freguesia antiga. Há seis anos já era convidada a explicar-se sobre o que, naquela época, ainda se chamava de crime cibernético. Assim, Lira-Kicis formam a linha de frente do domínio da Câmara por Bolsonaro.
Tanto quanto o presidente, Lira e Kicis não conseguem demonstrar a fragilidade da urna eletrônica.
PRAZO A BOLSONARO – A Justiça Eleitoral deu prazo de 15 dias para que Bolsonaro entregue provas de tal acusação. Caso existissem, já as teria apresentado há muito tempo. Recorre-se, então, à fábula, contada sob sigilo para dar veracidade.
Numa cena alegórica, um homem de camisa amarela está posto em sentinela ao lado do biombo onde está instalada a urna eletrônica da sessão eleitoral. Surge, então, um eleitor, que assina a folha de votação apresentada pelo mesário. Em seguida, se dirige à cabine, mas é impedido de entrar pelo camisa amarela. O cidadão vai embora, mas seu voto já terá sido computado em número coincidente com a de assinaturas da folha.
Mestre-sala do enredo do governo, o presidente da Câmara conduz com mão de ferro a sua base, consolidada pela generosa distribuição do orçamento secreto, conforme denunciado pelo Estadão e até hoje não explicado pelos que o manipularam.
TUDO MUDOU – Mas com os escândalos noticiados pela CPI, o quadro está mudando e neste sábado, 26, presidentes de 11 partidos, se reuniram e fecharam posição a favor do atual sistema de votação no Brasil, se posicionando de forma contrária à introdução do voto impresso, uma das principais pautas defendidas pelo presidente no Congresso.
Participaram do encontro os presidentes do MDB, PP, Republicanos, PSL, Cidadania, Solidariedade, Avante, PSD, DEM, PSDB e PL. Com isso, o plano de Bolsonaro para denunciar fraude também começa a desmoronar.
Aliás, em 2022 haverá eleições para senadores e deputados federais, um encontro irrecusável dos parlamentares com a opinião pública.