sexta-feira, maio 21, 2021

Pandemia exige sacrifício de todos, mas quem se sacrifica mesmo são os mais pobres

Publicado em 21 de maio de 2021 por Tribuna da Internet

Ônibus cheios são potenciais focos de transmissão de Covid-19.

Transportes públicos são focos de contaminação

J.R.Guzzo
Estadão

A humanidade ainda não conseguiu inventar um sistema realmente eficaz através do qual sociedades e governos, em momentos de adversidade comum à população, possam adotar medidas que representem “sacrifícios para todos”. Não há nenhum problema com os sacrifícios. Eles vêm sempre. A questão está no “todos”.

Eles nunca são todos. Sempre, invariavelmente, os sacrifícios de verdade vão para a maioria, apenas – e justo a maioria mais pobre, mais vulnerável, menos instruída, menos assistida pela tecnologia.

O POVO MORA LONGE – É a multidão, imensamente maior que as classes intelectuais, artísticas e financeiramente bem resolvidas, que mora longe, trabalha pesado e chacoalha todos os dias na trinca ônibus-metrô-trem de subúrbio.

É esse mundo de gente, mais uma vez, que está de fato sofrendo com o pretenso “problema para todos” – no caso, a calamidade social de primeiríssima classe criada com a covid e com as providências que foram adotadas pelo poder público para gerir a epidemia. Não é “problema para todos”. É problema para eles.

Tome-se, para ficar só num dos grandes desastres da covid, e talvez o maior de todos: o desemprego. Já são mais de 14 milhões de brasileiros que estão tendo suas vidas destruídas pela eliminação da produção e do trabalho nas atividades que exerciam – seja com carteira assinada, seja por conta própria, seja no oceano de empreendimentos que foram e estão indo para o diabo porque o governador, o prefeito e os seus médicos querem fechar tudo.

UMA RUÍNA SOCIAL – Enquanto os “cientistas” e as autoridades locais estão dizendo “fique em casa”, e socando fiscal e polícia em cima do povo, a sociedade se arruína – e essa ruína cai direto em cima dos que têm menos.

Não são os funcionários públicos, os professores e os vigilantes mais radicais do “distanciamento social” que estão perdendo o emprego ou a condição de ganhar o sustento através do trabalho livre. Não são os executivos de empresas bem sucedidas e bem equipadas para enfrentar o tranco gigante na economia. Não é, obviamente, a turma do “home office”, do “trabalho remoto”, etc. etc. Não são, nem mesmo, os trabalhadores mais qualificados, ou mais experientes.

Quem está sofrendo é a massa pela qual ninguém jamais se interessa. São os que ganham menos, os que tem menos preparo profissional, os que podem ser trocados em cinco minutos por um outro disposto a ganhar salário menor. São os mais moços, os que sabem fazer pouco, os que não conhecem ninguém. São os negros – não os negros “fashion” da publicidade da televisão, mas os da vida real.

ESPETÁCULO DE HIPOCRISIA – Para toda essa gente, a elitezinha que vive na câmera asséptica da quarentena mental só propõe uma coisa: peçam dinheiro ao governo federal.

É o maior espetáculo de hipocrisia que a sociedade brasileira já viveu. Os militantes “pela vida” ficam em seus apartamentos. Mas exigem que os porteiros, os faxineiros e os demais empregados do prédio venham trabalhar todo o dia, no horário marcado; ou é assim, ou é o olho da rua. Para a minoria ficar em casa, dar entrevista e viver na sua bolha, é preciso que milhões não fiquem em casa. O resto é conversa de CPI.