Publicado em 23 de maio de 2021 por Tribuna da Internet
Pedro do Coutto
As primeiras páginas das edições de ontem da Folha de São Paulo, O Globo e o Estado de São Paulo, os três principais jornais do país, colocaram em destaque a foto do encontro entre os ex-presidentes Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso num almoço na residência do ex-ministro Nelson Jobim com o objetivo comum de combater a reeleição de Jair Bolsonaro e, com isso, bloquear qualquer possível ação antidemocrática contra a Constituição, as leis e os direitos de todos à liberdade.
Os três jornais publicaram reportagens sobre o fato, sendo que na Folha de São Paulo assinam Mônica Bergamo e Joelmir Tavares. No Estado de São Paulo, os repórteres Vera Rosa, Pedro Venceslau, Lauriberto Pompeu e Paula Reverbel. No O Globo a reportagem é de Sérgio Roxo.
CONTRADIÇÃO – Os setores que formam o apoio a Bolsonaro tentam apontar a contradição que marcou a convergência dos dois adversários. Inclusive porque Fernando Henrique derrotou Lula nas urnas de 1994 e 1998. Mas, digo eu, quem se dispuser a encontrar aparentes contradições políticas terá pela frente uma verdadeira enciclopédia do fenômeno, sobretudo porque o processo político é movimentado a todo instante e o que representou ontem um choque, amanhã pode representar uma etapa importante para a vida de todos os países e também para a memória universal.
Recordo que, em abril de 1945, quando o desabamento do nazismo se verificava, reuniram-se na cidade Yalta, na Crimeia, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill, o presidente americano Franklin Roosevelt e o líder soviético Joseph Stálin. A foto ganhou o mundo e representou a procura de um denominador comum entre as três potências para arrasar, como de fato aconteceu, com o governo nazista de Hitler e a onda genocida que atingia judeus e comunistas, e também os que nao possuíam “raça branca pura”. Seis milhões de judes foram levados sem culpa alguma num episódio imundo para os campos de concentração e também de extermínio.
O encontro foi uma aproximação dos três grandes chefes de Estado que se uniram no combate ao nazismo, extrema-direita que até hoje ressurge no cenário de alguns países sob a forma de um fantasma que deveria ter desaparecido totalmente no tempo.
DENOMINADOR COMUM – Se em um momento tão grave para a sobrevivência da humanidade, encontraram-se sobre um denominador comum pessoas de pensamentos tão diferentes, não deve causar surpresa a aproximação entre FHC e Lula da Silva.
O encontro é natural, alcançou grande repercussão, como seria de se esperar para um episódio tão importante e tão decisivo para o nosso país. Visivelmente foi estabelecida uma atuação comum contra o bolsonarismo e um ato de força. Isso porque mais de uma vez Jair Bolsonaro participou de caminhadas na Esplanada dos Ministérios tendo ao lado faixas propondo o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.
Daí, certamente, na minha opinião, surgiu o projeto de engenharia tanto política quanto jurídica para bloquear a caminhada de alguém que se reeleito partiria para um desfecho antidemocrático.
O CONFRONTO – Mas esta é outra questão. O importante é que o panorama político brasileiro mudou e a nuvem passou a ser dirigida e analisada sob outro ângulo, o qual não necessita de uma lente maior para se compreender. Está traçado o embate final entre Lula e Jair Bolsonaro.
Pode ser que surja um novo panorama, mas é difícil. Li o artigo do professor Marco Aurélio Nogueira, do Estado de São Paulo. Ele colocou a necessidade de o segmento político-partidário se articular sobre uma terceira estrada capaz de conduzir o país para uma alternativa diferente. Mas não existe espaço para que uma candidatura se fortaleça fora do quadro atual. É verdade que na matéria política as profecias tendem a fracassar porque o processo é dinâmico e nao sintonizado com a vontade de cada um.
Mas quem poderia ser a terceira opção? Ciro Gomes ? Não dá, ele teria sido um candidato forte se apoiado por Lula em 2018, mas com Lula no páreo ele nao tem como alcançar uma pontuação capaz de conduzi-lo ao segundo turno.
REAÇÃO DOS TUCANOS – Setores do PSDB reagiram contrariamente à atitude de FHC, esquecendo-se de que em 2018 o mesmo ex-presidente da República apoiou a possibilidade de um candidato da legenda ser o apresentador Luciano Huck.
Fernando Henrique Cardoso pode não ter grande influência na legenda agora, mas lembro que a sua influência não será igual a zero. E na política, como no futebol, se por um gol se vence, por um gol também se perde. Dou como exemplo a sucessão americana de 1960. John Kennedy derrotou Nixon por apenas 0,9% do eleitorado.
DESBLOQUEIO DE R$ 4,8 BILHÕES – O ministro Paulo Guedes que ao mesmo tempo é o titular da Fazenda, do Planejamento, da Previdência Social e do Trabalho, mantendo também o encaminhamento de nomes para privatização de estatais, anunciou o desbloqueio de R$ 4,8 bilhões no Orçamento achando que tal atitude para abastecer as emendas de parlamentares não causará rombo algum no teto financeiro da Lei Orçamentária. Realmente não se entende a movimentação pendular de Paulo Guedes.
O que surpreende no ministro da Economia é o fato de na votação da Reforma da Previdência ter anunciado uma economia anual de R$ 100 bilhões, a qual no fim da década representaria R$ 1 trilhão, valor igual, acrescento eu, a um terço do orçamento federal para 2021.
As palavras do ministro da Economia são tão fantasiosas que o conduz ao segundo lugar da farsa econômico-social: na sua frente, no caso das vacinas e da vacinação, está Bolsonaro tentando se livrar da responsabilidade pelo alastramento da pandemia.