Pedro do Coutto
Nos espaços que brilha semanalmente no O Globo e na Folha de São Paulo, Elio Gaspari, ontem, escreveu sobre o documento assinado por 24 governadores dirigindo-se diretamente ao governo Joe Biden no sentido de obter recursos financeiros e ao mesmo tempo realizarem projetos para o combate eficiente ao coronavírus, enfrentamento até agora, no governo Bolsonaro, de pouca efetividade.
Gaspari acha que a iniciativa é uma impertinência. Perfeito, também acho. Porém existe um aspecto político na questão que, a meu ver, deve ser levado em conta, uma vez que a repercussão do documento atingiu o governo de Brasília, podendo levá-lo a uma coordenação mais eficaz com governadores e prefeitos. Mas não apenas isso.
BLOCO POLÍTICO – Tem igualmente o propósito de tentar a formação de um bloco político para as eleições presidenciais de 2022. A chamada classe política e os integrantes do Supremo Tribunal Federal têm motivos para se preocuparem, uma vez que o presidente daRepública participou de manifestações na Esplanada dos Ministérios pedindo o fechamento do Congresso e do Supremo, além de um governo militar tendo à frente o próprio Bolsonaro.
O panorama atual do país inclina-se para uma preocupação institucional quanto ao resultado nas das urnas da sucessão, pois se Bolsonaro viesse a sair vitorioso, poucas dúvidas existem sobre o seu posicionamento futuro.
Não podendo se reeleger a segunda vez iria partir para a implantação de uma ditadura. Os sintomas apontam no sentido dessa hipóteses, pois já no início de 2020, Bolsonaro iniciou a campanha eleitoral para 2022. Distribuiu alimentos no Nordeste e melhorou a sua posição na região, o que refletiu na sua maior popularidade em todo o território nacional. As pesquisas apontaram o seu favoritismo.
AMEAÇA – Sentido essa ameaça em um futuro próximo, correntes partidárias e também facções da magistratura pensaram no assunto e resolveram viabilizar o único nome que certamente baterá Jair Bolsonaro nas urnas. Assim, embora o movimento dos governadores seja inócuo no conteúdo, na opinião pública há de surtir algum efeito, pois nenhuma atitude política deixará de ser maior do que zero. Entre ter uma perspectiva zero e outra superior a zero, as correntes a que me refiro optaram pela saída lógica e capaz de evitar uma grave crise que possa abalar a democracia.
O governo Bolsonaro vem tendo desgaste crescente, basta dizer que enquanto os salários estão congelados, os preços sobem. Falta uma esperança para a população de poder pagar os aumentos sucessivos que recaem sobre os seus bolsos.
ALIANÇA PARA O PROGRESSO – Elio Gaspari focalizou também na Aliança para o Progresso instituída pelo presidente John Kennedy, em 1961 logo que assumiu a Casa Branca. A Aliança para o Progresso, na realidade, nasceu da operação Pan Americana lançada em 1959 pelo presidente Juscelino Kubitschek a partir de um projeto de integração e do reflexo econômico e social de iniciativas voltadas para diminuir as carências sociais da América do Sul que estavam em nível muito inferior ao que hoje se verifica.
Aliás como o próprio Gaspari frisou, citando pontos nevrálgicos da Segurança PÚblica: tráfico de tóxicos e milícias armadas. O projeto de Juscelino nasceu de uma ideia do poeta e também empresário Augusto Frederico Schmidt e a coordenação do drama coube a Edmundo Barbosa da Silva, mais tarde embaixador do Brasil em Washington. O objetivo do JK brasileiro passou a ser o mesmo do JK americano, tanto que ao lançar a Aliança para o Progresso, Kennedy nomeou Juscelino Kubitschek e o ex-presidente Lleras Camargo, da Colômbia, para presidentes executivos da Aliança para o Progresso. JK e Camargo assumiram os postos para os quais foram designados por Kennedy.
A Aliança para o Progresso foi uma decorrência de uma superprodução de trigo nos Estados Unidos. Necessitando colocar o trigo no mercado, o governo de Washington decidiu financiar projetos de desenvolvimento econômico e social no continente para funcionar como fonte financiadora de tais projetos. Os fatos levariam depois, também em 1961, a que a Aliança para o Progresso fosse beneficiar o governo Carlos Lacerda na Guanabara. O Guandu foi construído com dinheiro da Aliança, bem assim outros projetos e criações de Lacerda que partiram de um planejamento muito eficiente de Hélio Beltrão, secretário do Planejamento do Palácio Guanabara.
VILA KENNEDY – Gaspari refere-se também à Vila Kennedy , projeto habitacional de Lacerda, com o intuito de desfavelizar a cidade. A secretária de Desenvolvimento Social era a professora Sandra Cavalcanti, que depois foi deputada constituinte. O projeto de transferência de habitantes de favelas para a Vila Kennedy, próximo a Bangu, começou pela remoção dos moradores do Morro do Pasmado, que os mais jovens não conheceram, mas que se situava ao lado da pista que vai do Leblon a São Conrado pela orla marítima.
Terminada a remoção, o governo Carlos Lacerda lançou gasolina na área e a incendiou, em um sábado. O Correio da manhã, jornal em que eu trabalhava, colocou na primeira página do dia seguinte uma foto das chamas e atribuindo a Lacerda a repetição do que Nero fizera em Roma no passado,
A remoção dos moradores daquela favela foi sucedida pela instalação da Vila Kennedy, nome do presidente dos Estados Unidos que através da Aliança financiou as obras. Os moradores da favela que desapareceu receberam casas na Vila Kennedy, após um cadastramento.
INSATISFAÇÃO – Acontece que a insatisfação foi geral junto aos moradores transferidos. Tanto assim que nas urnas de 1965, 90% dos votos da Vila Kennedy foram dados a Negrão de Lima que derrotou nas urnas para o governo do estado, Flexa Ribeiro candidato de Carlos Lacerda e da UDN, partido ao qual Lacerda pertencia. São fatos históricos que coloco e os destino à apreciação de Elio Gaspari.
Os governadores ao assinarem um documento endereçado ao presidente Joe Biden tentaram, como disse no início, criar um fato político. Fato político não pior do que aquele que Jair Bolsonaro praticou ao discursar na Conferência do Clima, convocada pelo presidente americano. Em sua fala, Bolsonaro afirmou que ampliaria os investimentos da reunião amazônica para combater o desmatamento e as queimadas trágicas no Pantanal de Mato Grosso do Sul.
As palavras de Bolsonaro serviram de base para que Biden desse destaque à iniciativa brasileira que o presidente da República fez durante a Conferência. Biden congratulou-se com vários países, inclusive o Brasil. Sucede que enquanto falava no início da tarde de quinta-feira sobre o seu projeto de defesa do meio ambiente, ao anoitecer, foi enviada para o Diário Oficial da União a relação dos cortes orçamentários que Jair Bolsonaro praticou, entre os quais exatamente um deles, no Ministério do Meio Ambiente, cujo titular é Ricardo Salles.
OMISSÃO – São fatos assim que vão acontecendo e que de uma forma ou de outra funcionam para expor uma realidade, a qual, no caso brasileiro, no governo Bolsonaro, vem assumindo o caráter de tragédia por ação e omissão. No caso das vacinas, não é preciso falar. No caso das omissões, basta dizer que com mais de dois anos no Planalto não se conhece sequer um projeto em nenhum setor que tenha sido pelo menos elaborado pelo governo de nosso país.
O Ministério da Economia, cujo titular é Paulo Guedes, atuação para mim desastrosa, absorveu as pastas da Fazenda, do Planejamento, do Trabalho , da Previdência Social e como se não bastasse também a coordenação das privatizações. Acabaram aí as funções que se propõe Paulo Guedes? Não, porque ele também participou da troca de presidente da Petrobras, empresa estatal que se encontra vinculada ao Ministério de Minas e Energia. O homem dessa forma está em todas e se propôs a realizar um trabalho impossível.
E por esse caminho não há tempo diário capaz de ser preenchido para que os titulares possam exercer suas atividades que exigem uma atenção muito profunda. Tanto na forma, mas principalmente no conteúdo. A falta de atenção para uma virgula pode significar um prejuízo enorme para a sociedade brasileira.
PETROLÃO – Os exemplos estão aí, como aconteceu na Petrobras no segundo governo Lula e na reeleição de Dilma Rousseff. Um gerente, como Pedro Barusco que ocupava um cargo imediatamente abaixo do posto de diretor, quando explodiu o petrolão devolveu à Petrobras US$ 95 milhões que se encontravam no exterior em algum paraíso fiscal, que terminou vindo à superfície.
Creio ser desnecessário citar as consequências da operação Lava jato. Para finalizar, os atos de Sergio Moro que condenaram Lula da Silva foram tornados nulos no Supremo Tribunal Federal. Prevaleceu o relatório de Edson Fachin que optou pela transferência do foro do ex-presidente da República para o Tribunal Regional Federal de Brasília.
ANTIBOLSONARISTA – Dessa forma, Lula ressurgiu no horizonte político brasileiro. Com sua imagem, nascia também o candidato mais antibolsanista possível. A respeito do julgamento do Supremo no que se refere à parcialidade do ex-juiz Sergio Moro, na minha opinião, deve ser observado o seguinte: se o STF anulou todas as condenações de Lula em Curitiba, a matéria também em pauta quanto à parcialidade de Moro perde o sentido, claro. Não pode haver parcialidade material em torno daquilo que deixou de existir.
Anulação de condenações significa reduzi-las a zero, de um lado. De outro, os processos vão ser remetidos ao TRF da Capital do país. Portanto , a parcialidade de Moro está ultrapassada pelos processos jurídicos que transcorreram e estão transcorrendo. Não existem na política profecias ou raciocínios congelados, aliás como pensam os que se denominam cientistas políticos.