por Matheus Teixeira e Julia Chaib | Folhapress
O procurador-geral da República, Augusto Aras, e o presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Humberto Martins, apostam na falta de interlocução do advogado-geral da União, André Mendonça, com o Congresso para enfraquecê-lo na disputa pela próxima indicação de Jair Bolsonaro ao STF (Supremo Tribunal Federal).
O chefe da AGU é atualmente visto como favorito para a vaga de Marco Aurélio, que irá se aposentar em 5 de julho com a idade limite de 75 anos. Além de ser um homem de confiança do presidente, Mendonça se enquadra no perfil "terrivelmente evangélico" prometido pelo chefe do Executivo para indicação à corte.
Apesar disso, Mendonça não tem boa relação com o Congresso e teve a imagem desgastada dentro do STF devido à abertura de inquéritos para investigar críticos do presidente e pela atuação na discussão sobre realização de missas e cultos durante a pandemia da Covid-19.
O nome de Mendonça é bem visto pela ala ideológica do governo e pela base mais fiel a Bolsonaro no Legislativo. Pastores evangélicos próximos do chefe do Executivo seguem em campanha pelo nome do advogado-geral.
O bloco de partidos do chamado centrão, porém, trabalha contra sua indicação. E é justamente nesse movimento que Aras e Martins apostam suas fichas.
Bolsonaro está cada dia mais refém desse grupo, que comanda tanto a Câmara quanto o Senado, e o aval do centrão pode ser decisivo para a escolha.
Em sua primeira nomeação para o Supremo, por exemplo, antes de anunciar seu escolhido, Bolsonaro ouviu parlamentares dos partidos que se consideram de centro e integram a base aliada do Palácio do Planalto.
Foi indicado Kassio Nunes Marques, magistrado com relação próxima a políticos de MDB, PP e até PT, legenda responsável por sua indicação ao TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), corte que integrava até então.
O senador Ciro Nogueira (PP-PI), um dos principais líderes do centrão e conterrâneo de Kassio, foi apontado como um dos fiadores da escolha. Na sabatina antes de ser aprovado para o Supremo, o ministro afirmou ter ficado emocionado com o discurso de Nogueira, que é investigado no STF.
Com a abertura da CPI da Covid, a aposta é que os senadores também devem usar a atuação na comissão como moeda de troca com o governo e como forma de pressionar Bolsonaro a fazer uma escolha que os atenda.
Os senadores têm peso na indicação porque cabe a eles a aprovação do nome escolhido pelo presidente.
A Câmara dos Deputados, por sua vez, apesar de não participar do processo de nomeação para o STF, compõe o xadrez político da relação do Executivo com o Congresso e também deve pleitear seu espaço nessa negociação.
O próximo indicado pode vir a ocupar, por exemplo, um assento na Primeira Turma do Supremo, que deverá julgar em breve a abertura de uma ação penal contra o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
O movimento incomum da PGR (Procuradoria-Geral da República) de desistir em setembro passado de uma denúncia contra Lira foi interpretado nos bastidores do Supremo como uma prova de que o político alagoano, que é um dos líderes do centrão, terá influência na escolha do próximo ministro do tribunal.
O presidente da Câmara havia sido denunciado em junho por corrupção passiva no âmbito da Lava Jato sob acusação de ter recebido R$ 1,6 milhão em propina da empreiteira Queiroz Galvão.
A denúncia afirmava que o valor seria um pagamento pelo apoio do PP à manutenção de Paulo Roberto Costa em uma diretoria da Petrobras.
Dois meses depois, porém, a Procuradoria se manifestou a favor de um pedido feito pela defesa de Lira e afirmou que, na verdade, não há provas sobre o envolvimento do político com o esquema de corrupção.
A peça foi assinada pela subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, uma das pessoas mais próximas de Aras, e foi interpretada como uma sinalização do procurador-geral em direção ao centrão.
Outro movimento de Aras lido nos bastidores do STF como mais um episódio da disputa ocorreu no último dia 16, quando ele informou à corte que abriu um procedimento preliminar para investigar a conduta de Mendonça à frente do Ministério da Justiça.
Ao ser provocado, Aras afirmou ao tribunal que já apura o fato de Mendonça ter usado a Lei de Segurança Nacional, criada na ditadura militar, para basear a instauração de inquéritos contra críticos de Bolsonaro.
A disputa pelo STF também ficou clara no julgamento do Supremo sobre a constitucionalidade de decretos que proíbem missas e cultos como forma de conter o avanço da pandemia da Covid-19.
Na contramão da jurisprudência do tribunal, Aras e Mendonça se posicionaram a favor da decisão do ministro Kassio contra as normas que vetaram celebrações religiosas.
A atuação dos dois foi elogiada por aliados de Bolsonaro e compartilhada pela militância do presidente nas redes sociais.
Apesar disso, ao mesmo tempo que ganharam pontos com a base evangélica, eles também foram duramente criticados pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo.
Em relação a Mendonça, o magistrado disse que o chefe da AGU parece ter chegado de Marte por ter feito críticas a ônibus e metrôs lotados como se o governo federal não tivesse responsabilidade sobre isso.
"Me parece que está havendo um certo delírio nesse contexto geral. É preciso que cada um de nós assuma sua responsabilidade. Isso precisa ficar muito claro. Não tentemos enganar ninguém, até porque os bobos ficaram fora da corte", disse.
Já sobre Aras, Gilmar criticou o fato de o procurador-geral ter afirmado que ele não poderia ter dado uma decisão individual sobre as celebrações religiosas pelo fato de Kassio ser o único relator do tema no Supremo.
No processo de escolha de Kassio, ele foi levado por Bolsonaro para um jantar com Gilmar para que o integrante do Supremo avalizasse o nome do indicado.
Gilmar é relator da ação que questiona o foro especial do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente, no Supremo, e, apesar de fazer duras críticas ao governo, já se encontrou com o chefe do Executivo fora da agenda em mais de uma ocasião.
Além deles, outro nome que corre por fora para a vaga de Marco Aurélio é o do juiz federal William Douglas, pastor com apoio de atores importantes da base evangélica.
Bahia Notícias