segunda-feira, abril 26, 2021

Atrito no Congresso pode desgatar André Mendonça, favorito de Bolsonaro em disputa por vaga no Supremo


Matheus Teixeira e Julia Chaib
Folha

O procurador-geral da República, Augusto Aras, e o presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Humberto Martins, apostam na falta de interlocução do advogado-geral da União, André Mendonça, com o Congresso para enfraquecê-lo na disputa pela próxima indicação de Jair Bolsonaro ao STF (Supremo Tribunal Federal).

O chefe da AGU é atualmente visto como favorito para a vaga de Marco Aurélio, que irá se aposentar em 5 de julho com a idade limite de 75 anos. Além de ser um homem de confiança do presidente, Mendonça se enquadra no perfil “terrivelmente evangélico” prometido pelo chefe do Executivo para indicação à corte.

DESGASTE – Apesar disso, Mendonça não tem boa relação com o Congresso e teve a imagem desgastada dentro do STF devido à abertura de inquéritos para investigar críticos do presidente e pela atuação na discussão sobre realização de missas e cultos durante a pandemia da Covid-19.

O nome de Mendonça é bem visto pela ala ideológica do governo e pela base mais fiel a Bolsonaro no Legislativo. Pastores evangélicos próximos do chefe do Executivo seguem em campanha pelo nome do advogado-geral. O bloco de partidos do chamado Centrão, porém, trabalha contra sua indicação. E é justamente nesse movimento que Aras e Martins apostam suas fichas.

Bolsonaro está cada dia mais refém desse grupo, que comanda tanto a Câmara quanto o Senado, e o aval do Centrão pode ser decisivo para a escolha.Em sua primeira nomeação para o Supremo, por exemplo, antes de anunciar seu escolhido, Bolsonaro ouviu parlamentares dos partidos que se consideram de centro e integram a base aliada do Palácio do Planalto.

INDICAÇÃO – Foi indicado Kassio Nunes Marques, magistrado com relação próxima a políticos de MDB, PP e até PT, legenda responsável por sua indicação ao TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), corte que integrava até então.

O senador Ciro Nogueira (PP-PI), um dos principais líderes do Centrão e conterrâneo de Kassio, foi apontado como um dos fiadores da escolha. Na sabatina antes de ser aprovado para o Supremo, o ministro afirmou ter ficado emocionado com o discurso de Nogueira, que é investigado no STF.Com a abertura da CPI da Covid, a aposta é que os senadores também devem usar a atuação na comissão como moeda de troca com o governo e como forma de pressionar Bolsonaro a fazer uma escolha que os atenda.

Os senadores têm peso na indicação porque cabe a eles a aprovação do nome escolhido pelo presidente. A Câmara dos Deputados, por sua vez, apesar de não participar do processo de nomeação para o STF, compõe o xadrez político da relação do Executivo com o Congresso e também deve pleitear seu espaço nessa negociação.

PRIMEIRA TURMA – O próximo indicado pode vir a ocupar, por exemplo, um assento na Primeira Turma do Supremo, que deverá julgar em breve a abertura de uma ação penal contra o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

O movimento incomum da PGR (Procuradoria-Geral da República) de desistir em setembro passado de uma denúncia contra Lira foi interpretado nos bastidores do Supremo como uma prova de que o político alagoano, que é um dos líderes do Centrão, terá influência na escolha do próximo ministro do tribunal.

O presidente da Câmara havia sido denunciado em junho por corrupção passiva no âmbito da Lava Jato sob acusação de ter recebido R$ 1,6 milhão em propina da empreiteira Queiroz Galvão. A denúncia afirmava que o valor seria um pagamento pelo apoio do PP à manutenção de Paulo Roberto Costa em uma diretoria da Petrobras.

ENVOLVIMENTO – Dois meses depois, porém, a Procuradoria se manifestou a favor de um pedido feito pela defesa de Lira e afirmou que, na verdade, não há provas sobre o envolvimento do político com o esquema de corrupção.

A peça foi assinada pela subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, uma das pessoas mais próximas de Aras, e foi interpretada como uma sinalização do procurador-geral em direção ao Centrão.

Outro movimento de Aras lido nos bastidores do STF como mais um episódio da disputa ocorreu no último dia 16, quando ele informou à corte que abriu um procedimento preliminar para investigar a conduta de Mendonça à frente do Ministério da Justiça.

LEI DE SEGURANÇA NACIONAL – o ser provocado, Aras afirmou ao tribunal que já apura o fato de Mendonça ter usado a Lei de Segurança Nacional, criada na ditadura militar, para basear a instauração de inquéritos contra críticos de Bolsonaro.A disputa pelo STF também ficou clara no julgamento do Supremo sobre a constitucionalidade de decretos que proíbem missas e cultos como forma de conter o avanço da pandemia da Covid-19.

Na contramão da jurisprudência do tribunal, Aras e Mendonça se posicionaram a favor da decisão do ministro Kassio contra as normas que vetaram celebrações religiosas. A atuação dos dois foi elogiada por aliados de Bolsonaro e compartilhada pela militância do presidente nas redes sociais. Apesar disso, ao mesmo tempo que ganharam pontos com a base evangélica, eles também foram duramente criticados pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo.

Em relação a Mendonça, o magistrado disse que o chefe da AGU parece ter chegado de Marte por ter feito críticas a ônibus e metrôs lotados como se o governo federal não tivesse responsabilidade sobre isso. “Me parece que está havendo um certo delírio nesse contexto geral. É preciso que cada um de nós assuma sua responsabilidade. Isso precisa ficar muito claro. Não tentemos enganar ninguém, até porque os bobos ficaram fora da corte”, disse.

CELEBRAÇÕES RELIGIOSAS – Já sobre Aras, Gilmar criticou o fato de o procurador-geral ter afirmado que ele não poderia ter dado uma decisão individual sobre as celebrações religiosas pelo fato de Kassio ser o único relator do tema no Supremo.

No processo de escolha de Kassio, ele foi levado por Bolsonaro para um jantar com Gilmar para que o integrante do Supremo avalizasse o nome do indicado. Gilmar é relator da ação que questiona o foro especial do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente, no Supremo, e, apesar de fazer duras críticas ao governo, já se encontrou com o chefe do Executivo fora da agenda em mais de uma ocasião.

Além deles, outro nome que corre por fora para a vaga de Marco Aurélio é o do juiz federal William Douglas, pastor com apoio de atores importantes da base evangélica.