quarta-feira, fevereiro 24, 2021

Suspeita de mandar matar o marido, deputada Flordelis é afastada do cargo pela Justiça do Rio


Câmara dos Deputados precisará confirmar desligamento da parlamentar

Anna Virginia Balloussier
Folha

A Justiça do Rio afastou de seu cargo na Câmara a deputada federal Flordelis dos Santos de Souza (PSD-RJ), acusada de mandar matar o marido, o pastor Anderson do Carmo, em 2019. A decisão foi tomada nesta terça-feira, dia 23, pelos três desembargadores da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A Câmara dos Deputados, na qual Flordelis chegou em 2018 como a mais votada do Rio, ainda precisará confirmar o desligamento da parlamentar.

Relator do caso, o desembargador Celso Ferreira Filho, deu um prazo de 24 horas para que os congressistas recebam a determinação. Flordelis ainda não foi presa por ter imunidade parlamentar. Nesse caso, apenas os flagrantes de crimes inafiançáveis são passíveis de prisão —caso de seu colega Daniel Silveira, por exemplo.

VERSÃO – Anderson foi assassinado dentro da própria casa, em Niterói (RJ). Ele voltava para a residência que dividia com Flordelis e 35 dos filhos que eles tinham, a maioria adotados. “Saímos para namorar, curtimos bastante. Uma noite, assim, muito boa”, a deputada contou ao Fantástico sobre a noite do assassinato, quando ainda não era suspeita do crime. Há filhos do casal implicados na investigação —sete deles chegaram a ser presos.

O laudo do Instituto Médico Legal constatou 30 perfurações em seu corpo, nove delas na região de coxas e virilha. Segundo investigações da Polícia Civil, o plano para assassinar Anderson começou um ano antes, com um fracassado envenenamento em doses por arsênico.

MOTIVAÇÃO – Para os investigadores, a motivação teria sido financeira (o controle das finanças da igreja deles). Em mensagem enviada a um filho, a deputada afirmou que matar Anderson era a única alternativa: “Fazer o quê? Separar dele não posso, porque senão ia escandalizar o nome de Deus”.

Eles se conheceram na carioca favela do Jacarezinho —ela, recém-divorciada, tinha 30 anos, ele, 14. Quando adolescente, Anderson chegou a namorar uma filha biológica da futura esposa. Flordelis vinha tentando reabilitar sua imagem pública. Em fevereiro, comemorou seu aniversário de 60 anos no Ministério Cidade do Fogo, em São Gonçalo (RJ), igreja que liderava com o marido.

Na ocasião, ela —que é pastora e cantora gospel— entoou o louvor “Degrau da Exaltação”, que diz: “Estão querendo ver a tua queda/ Estão querendo ver o teu final/ Mas não pague na mesma moeda/ Nem tampouco deseje o mal”. Sua carreira floresceu na MK Music, gravadora do conglomerado evangélico do senador Arolde de Oliveira, morto por Covid-19 em 2020.

EXEMPLO –  Antes de migrar para o noticiário policial, Flordelis tentou se eleger presidente da bancada evangélica, em 2019. Era popular: foi convidada para programas como os de Ana Maria Braga e Marília Gabriela. Era, então, exaltada como uma mãe exemplar: além dos quatro filhos biológicos, adotou mais 51 (nem todos pela via formal). Recebeu em 1994, de uma só vez, 37 crianças de rua após uma chacina na Central do Brasil.

Um filme sobre sua trajetória tinha um elenco estelar, que incluiu Bruna Marquezine, Cauã Reymond, Reynaldo Gianecchini e Deborah Secco. Flordelis interpretou a si mesma, e os atores-celebridades, pessoas salvas por ela ao longo de sua trajetória como missionária evangélica. Reynaldo Gianecchini ou Rodrigo Hilbert, por exemplo, encarnaram perigosos traficantes.

INTERFERÊNCIA – Em seu voto, Celso Ferreira Filho diz que as ações da deputada citadas nos autos do processo podem sinalizar interferência indevida. As redes sociais contêm “evidências de diálogos indicativos do poder de intimidação e de persuasão” que Flordelis exerce sobre testemunhas e réus, diz o desembargador. “Não há dúvidas que, pela função que exerce, possui ela meios e modos de acessar informações e sistemas, diante dos relacionamentos que mantém em virtude da função parlamentar.”

Vera Chemim, especialista em direito constitucional e mestre em administração pública pela FGV, diz que Flordelis não tem foro privilegiado no episódio e, por isso, pode ser afastada pela corte de segunda instância. Ela é suspeita de cometer um crime comum que “não tem relação nenhuma com o mandato dela”, pré-condição para obter o foro. O caso só caberia ao Supremo Tribunal Federal se fosse associado ao desempenho de suas funções parlamentares. Procurada pela Folha, a assessoria da deputada não respondeu.

Em novembro, Floderlis publicou um vídeo no qual diz que a denúncia contra ela é uma tentativa de descontruir sua reputação “de maneira cruel e covarde”, com mentiras. “Eu estou sofrendo, mas eu não vou permitir que continuem fazendo isso sem que eu reaja.”