quinta-feira, fevereiro 25, 2021

Salvar vidas não tem preço

Milhões de vidas perdidas ou impactadas e prejuízos econômicos só comparáveis a tempos de guerra são o saldo de um ano de pandemia do novo coronavírus. Neste período construímos apenas uma certeza: só a vacinação em massa no mundo pode nos tirar de um dos momentos mais difíceis da história da humanidade. Porém, desde que a imunização iniciou, as perspectivas não são de celeridade no processo, principalmente nos países mais pobres.

Reconheço o investimento dos laboratórios privados e a rapidez com que conseguiram desenvolver as vacinas, mas o que está em jogo neste momento é salvar a vida de bilhões de pessoas no mundo inteiro. Está comprovado que neste ritmo de imunização a pandemia pode perdurar por anos matando pessoas e aumentando a pobreza.

Quebrar a patente, ou suspendê-las por um período determinado, para que todos os países produzam a vacina e consigam imunizar suas populações é a fórmula mais rápida que temos de sair da pandemia.

Em 1998, quando o então ministro da Saúde, José Serra, conseguiu quebrar, junto com a China, a patente dos medicamentos da AIDS, milhões de pessoas puderam ter acesso aos medicamentos e tiveram suas vidas salvas. A urgência agora é ainda maior por uma ação como essa.

Índia e África do Sul já propuseram em outubro do ano passado a quebra de patentes à Organização Mundial do Comércio, órgão que regula a propriedade intelectual no planeta. As principais vacinas atualmente pertencem a laboratórios americanos, europeus e chineses e uma parte delas foi financiada com dinheiro público ou doações de filantropos.

A necessidade da quebra de patentes ocorre em função dos custos para a compra das vacinas e a incapacidade que esses laboratórios têm de produzir os imunizantes na velocidade que a população mundial necessita.

Não é possível esperar ou acreditar que vamos normalizar a economia mundial imunizando apenas alguns países. As mutações do vírus têm mostrado que não há como nenhuma nação acreditar que a pandemia vai acabar sem vacina urgente em todo o planeta.

A proposta da Índia e da África do Sul à Organização Mundial de Saúde contou com o apoio de 99 nações, exceto os países desenvolvidos e que detêm as patentes. Infelizmente o Brasil assumiu uma postura equivocada, mas acredito que podemos pressionar nossas autoridades sanitárias e entrar nesta campanha.

Não defendo a violação de acordos internacionais de forma unilateral, mas não podemos esperar por 20 anos até que as patentes possam ser quebradas, conforme as regras atuais da Organização Mundial do Comércio. Serão muitas vidas perdidas e prejuízos incalculáveis à economia.

A outra opção é, assim como o Brasil fez em 2007 com a patente do efavirenz, remédio de tratamento à AIDS, decretar emergência nacional e comunicar aos laboratórios que vamos licenciar compulsoriamente a fórmula da vacina, pagando os royalties, mas permitindo a produção em território nacional. Essa licença compulsória é reconhecida pela Organização Mundial do Comércio.

Precisamos agora de uma grande mobilização, sem coloração partidária ou interesses políticos, que permitam aumentar a produção das vacinas em todo o mundo para a imunização o mais rápido possível.

Estou, como presidente da Frente Parlamentar do Setor Produtivo, ao lado da Associação Comercial da Bahia, as federações da Indústria, Comércio e Agricultura e outras entidades numa ação conjunta para iniciarmos essa sensibilização necessária para mobilizar a população a entrar nesta luta pela quebra da patente.

Não temos mais como assistir a perda diária de milhares de vidas e a degradação total da economia, piorando a já absurda diferença social no Brasil e no mundo.

Eduardo Salles

Agronomia

Eduardo Salles é engenheiro agrônomo e mestre em engenharia agrícola pela Universidade Federal de Viçosa, ex-secretário de agricultura da Bahia e ex-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Agricultura (Conseagri). Foi presidente da Associação de Produtores de Café da Bahia e também da Câmara de Comércio Brasil/Portugal e é, há 14 anos, diretor da Associação Comercial da Bahia. Ele escreve neste Política Livre quinzenalmente, às quartas-feiras.