Pedro do Coutto
Num artigo na edição de O Globo de domingo, Bernardo Melo Franco, bisneto do senador Afonso Arinos, visitou o passado lembrando que, no dia 31 de março de 1964, o jornalista e escritor Carlos Heitor Cony e o poeta Carlos Drummond de Andrade caminhavam no calçadão de Copacabana quando forças militares ocuparam o Forte do Posto 6 e iniciaram prisões em série, tanto pelas ruas do bairro quanto em outros bairros da cidade.
E logo sentiram que o poder já havia se deslocado da democracia para a área militar.
ARTIGO FAMOSO – Carlos Heitor Cony escreveu no Correio da Manhã um artigo que ficou famoso: “Revolução de caranguejos”. No Correia da Manhã, também Carlos Drummond de Andrade começava uma série de crônicas denunciando no seu estilo fino o risco de ver a democracia indo para o espaço.
Alguns leitores podem estranhar Drumond no Correio da Manhã. Mas o fato é que ele só trocou o CM pelo Jornal do Brasil no final da década de 60.
Cony escreveu a série de artigos “O Ato e o Fato”, que o levou a prisão. O autor do clássico Quase Memória, na minha opinião, assumiu o papel que o destino reservou a Emile Zola no processo Dreyfus.
Cony foi profético: a concentração de renda veio a galope, a liberdade acabava. O retorno ao regime democrático custou 21 anos de história. Mas isso pertence ao passado.
É GRAVE A CRISE – No presente, a crise também se agravou e a prova está na reportagem de Cássia Almeida e Carolina Marim, em O Globo de segunda-feira. A reportagem teve base em pesquisa da Tendência Consultoria, que destacou que neste ano apenas os integrantes da classe A conseguiram 0,9% de avanço real. A classe A representa apenas 3,4% dos domicílios brasileiros. Trata-se do grupo cuja renda familiar parte de 19.400 reais mensais. A classe B, média, encontra-se na faixa de 6,2 mil a 19 mil de renda mensal.
A expectativa, revela a diretora da Tendência, Alessandra Ribeiro, é de que em 2021 esta classe perderá 2,4% de seus vencimentos. A classe C que recuou 0,9% em 2020, no próximo ano vai perder numa escala de 1,5% de seu rendimento. Por fim, as classes D e E, que atravessaram 2020 sustentadas pelo auxílio de emergência, vai recuar incríveis 15,4% em matéria de remuneração.
DUAS CAUSAS – As perdas são resultado do desemprego e de salários que perdem para a inflação. Em matéria de inflação faço uma pergunta ao IBGE e a FGV:
Por que o IPCA do IBGE assinala3,4% de inflação e a FGV, no IPM, acusa 25%. O período é o mesmo. De novembro de 2019 a 2020. Jamais se viu uma disparidade de tais proporções.