Israel Medeiros
Correio Braziliense
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As Forças Armadas não têm autonomia para interferir em conflitos entre Poderes ou agir de forma autônoma. É o que disse o ex-ministro da Defesa e Segurança Pública Raul Jungmann (Cidadania). Em entrevista ao CB.Poder — uma parceria do Correio Braziliense e da TV Brasília —, nesta terça-feira, dia 28, Jungmann, que chefiou a pasta no governo de Michel Temer, falou sobre o artigo 142 da Constituição Federal, que regulamenta as Forças Armadas, e é comumente mencionado por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.
“O artigo 142 não dá autonomia às Forças Armadas para arbitrar conflitos entre Poderes e tampouco para agir autonomamente. Se existir um conflito entre Poderes referente à Garantia da Lei e da Ordem, dentro dos limites democráticos, tem a Garantia da Lei e da Ordem, que é um decreto presidencial; tem os remédios constitucionais, que é intervenção no Estado, Estado de defesa e Estado de sítio. Nada disso é feito autonomamente pelo Exército. Quem vai decidir conflitos, pela Constituição, é o Supremo”, disse ele.
COALIZÃO – O ex-ministro também falou sobre a atuação de Jair Bolsonaro como presidente da República. Para ele, a falta do presidencialismo de coalizão — onde acordos são feitos com políticos e partidos para a criação de uma base —, fez com que Bolsonaro preenchesse cargos com militares. Essa prática, na sua avaliação, deveria ser regulamentado pelo Congresso Nacional.
“Ele rejeitou fazer o que todos os antecessores fizeram, que é o presidencialismo de coalizão — que é montar uma grande base de sustentação. Para montar essa base, ele precisaria ceder espaços no Executivo Federal. Como ele não cedeu no início, ele preencheu essas vagas com um grande número de membros das Forças Armadas. Por que o Congresso Nacional não regulamentou isso? Se há um excesso, o poder político tem as prerrogativas para regulamentar isso. Nos EUA, isso é muito rígido. Para um membro das Forças Armadas assumir um cargo, precisa da assinatura do próprio ministro da Defesa. Aqui isso não acontece, o que quer dizer que o nosso Congresso Nacional tem falhado nessa regulamentação”, afirmou.
OMISSÃO – Ele também criticou a omissão do Congresso para coordenar, supervisionar e controlar as estratégias das Forças Armadas, algo que é previsto pela lei complementar nº 136 de 2010. “Ela determinou que a política e estratégia nacional de defesa passasse pelo Congresso Nacional, o que nunca aconteceu. Então, ele, a partir dali, passou a ter um poder de coordenação, supervisão e controle sobre as Forças Armadas, que não exerce. Fui coordenador da estratégia de 2016 que está expirando agora em 2020. Nós mandamos a estratégia e a política no dia 18 de novembro de 2016. Sabe quando ela foi aprovada? Em dezembro de 2018, dois anos depois. E foi aprovada por voto simbólico, sem audiência pública, sem discussão, sem voto contrário, sem participação de líderes”, comentou.
O atraso fez com que a aprovação, já no fim do governo Temer, não tivesse validade, pois não teve assinatura nem do governo que ainda vigorava nem do governo Bolsonaro. “O presidente da República atual também não quis assinar, porque era uma política do governo anterior. Você tem uma ampliação do poder, supervisão e controle do Congresso Nacional que não está nem aí para isso. Simplesmente não ligou. Eu estive na casa do (presidente da Câmara) Rodrigo Maia e falei que não adianta reclamar do ativo, do número de militares, isso está nas mãos do Congresso. Não adianta ficar chorando. Se você tem o poder e se aliena, sinto muito”, pontuou.
TOM CONCILIADOR – Para Jungmann, uma vez que as estratégias de Bolsonaro contra as instituições e Poderes não funcionaram, ele precisará ser muito mais conciliador. “Ele vai ter que montar uma coalizão e procurar relações menos críticas com os demais Poderes. O modelo de presidencialismo de ‘colisão’ se esgotou. Não há como ele continuar fazendo da forma que vinha fazendo. Até porque Congresso e Supremo cresceram nesse embate”, ressaltou o ex-ministro.
Raul ainda criticou a falta de um plano nacional de segurança pública. Segundo ele, o fato de a segurança pública não ser responsabilidade constitucional do poder central impede uma atuação padronizada a nível nacional.
“O Brasil teve sete Constituições. Em nenhuma delas a segurança pública foi colocada como responsabilidade constitucional do poder central. Se não tem isso, não tem um sistema e uma política nacional de segurança pública. Nos dez meses que passamos lá, aprovamos o Sistema Único de Segurança Pública e também aprovamos uma política para o Brasil, porque o crime se nacionalizou. O atual governo engavetou tudo isso. É uma lei do Congresso, mas ele também não reclama, e o TCU também não questiona isso”, completou.