terça-feira, maio 05, 2020

Moro confirmou que Bolsonaro há tempos vinha tentando interferir na Polícia Federal


Moro: Se eu tirar a gravata, vão falar 'já é candidato' | VEJA
Sérgio Moro prestou um depoimento afirmativo e sem exageros
Por G1
O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, no depoimento de mais de oito horas que prestou neste sábado (2) na Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, foi questionado sobre as acusações de que o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir no trabalho da PF e em inquéritos relacionados a familiares.
As acusações foram feitas pelo ex-ministro quando ele anunciou sua saída do governo, em 24 de abril.
No depoimento, Moro disse que:
 – O presidente Jair Bolsonaro queria interferir politicamente na Polícia Federal.
 – Em fevereiro, por mensagem de celular, para indicar um novo superintendente para a Polícia Federal no Rio de Janeiro. A mensagem, segundo o relatório do depoimento, “tinha ou menos o seguinte teor”: “Moro você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro'”.
 – A mensagem de celular na qual Bolsonaro teria pedido para ele próprio indicar o superintendente da PF no Rio foi enviada pelo presidente no começo de março, quando o então ministro e o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, estavam em missão oficial nos Estados Unidos.
 – Não nomeou e não era consultado sobre as escolhas dos superintendentes, escolha essa que cabia, exclusivamente, à Direção-Geral da PF.
 – Não assinou a exoneração de Valeixo e nem recebeu qualquer pedido escrito ou formal de exoneração do então diretor da PF; o “Diário Oficial da União” com o documento foi publicado na madrugada de 24 de abril originalmente com assinatura assinado por Bolsonaro e Moro, mas depois o governo publicou uma edição corrigida.
– Não acusou o presidente de crime e disse que isso cabe aos investigadores (o ex-ministro disse isso diversas vezes durante depoimento) e que quem falou em crime foi a Procuradoria-Geral da República ao pedir a abertura do inquérito.
– A PF de Minas Gerais “fez um amplo trabalho de investigação” com relação à facada que Bolsonaro levou durante a campanha eleitoral, em setembro de 2018, em Juiz de Fora e que “isso foi mostrado ao Presidente ainda no primeiro semestre do ano de 2019, numa reunião ocorrida no Palácio do Planalto”. Na reunião, segundo Moro, Bolsonaro “não apresentou qualquer contrariedade em relação ao que lhe foi apresentado”.
– Não houve interferência do Ministério da Justiça Moro na investigação do caso Adélio. Neste ponto, Moro rebateu algumas das afirmações feitas por Bolsonaro após o ministro anunciar que deixaria o cargo, quando o presidente citou que pediu a troca do superintendente da PF no Rio em razão da “questão do porteiro, do caso Adélio” e de citações a Jair Renan Bolsonaro, filho do presidente, em uma investigação.
– Durante o período que esteve à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública, houve solicitações do Presidente da República para substituição do Superintendente do Rio de Janeiro, com a indicação de um nome por ele, e depois para substituição do Diretor da Polícia Federal, e, novamente, do Superintendente da Polícia Federal no Estado do Rio de Janeiro, que teria substituído o anterior, novamente com indicação de nomes pelo presidente.
– Em agosto de 2019 houve uma solicitação por parte do Exmo. Presidente da República de substituição do Superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, Ricardo SaadI. Essa solicitação se deu de forma verbal, no Palácio do Planalto.
– Mesmo antes, mas, principalmente, a partir dessa época o Presidente passou a insistir na substituição do Diretor da PF, Maurício Valeixo.
– Essa pressão foi, inclusive, objeto de diversas matérias na imprensa.
– Conseguiu demover o presidente dessa substituição por algum tempo.
– O assunto retornou com força em janeiro de 2020, quando o Presidente disse ao Declarante que gostaria de nomear Alexandre Ramagem no cargo de Diretor Geral da Polícia Federal e Valeixo iria, então, para uma Adidância.
– Isso foi dito verbalmente no Palácio do Planalto.
– Eventualmente o General Heleno se fazia presente.
– Esse assunto era conhecido no Palácio do Planalto por várias pessoas.
– Pensou em concordar para evitar um conflito desnecessário, mas que chegou à conclusão que não poderia trocar o Diretor Geral sem que houvesse uma causa e que, como Ramagem tinha ligações próximas com a família do Presidente, isso afetaria a credibilidade da Polícia Federal e do próprio Governo, prejudicando até o Presidente.
– No começo de março de 2020, estava em Washington, em missão oficial com o Dr. Valeixo. Recebeu mensagem pelo aplicativo Whatsapp do Presidente da República, solicitando, novamente, a substituição do Superintendente do Rio de Janeiro, agora Carlos Henrique. A mensagem tinha, mais ou menos o seguinte teor: “Moro você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”.
– Não nomeou e não era consultado sobre as escolhas dos Superintendentes; QUE essa escolha cabia, exclusivamente, à Direção Geral da Polícia Federal;
– Nem mesmo indicou o Superintendente da Polícia Federal do Paraná.
– Os motivos para essa solicitação entende que devem ser indagados ao Presidente da República.
– Falou sobre a solicitação de troca do Diretor Valeixo, ainda em Washington. Aventaram a possibilidade de atender ao Presidente para evitar uma crise. No entanto, o Diretor Valeixo afirmou que não poderia ficar no cargo se houvesse uma nova substituição sem causa do SR/RJ por um nome indicado pelo Presidente da República.
– O Diretor Valeixo declarou que estava cansado da pressão para a sua substituição e para a troca do SR/RJ. Por esse motivo e também para evitar conflito entre o Presidente e o Ministro, o Diretor Valeixo disse que concordaria em sair.
– Nesse momento não havia nenhuma solicitação sobre interferência ou informação de inquéritos que tramitavam no Rio de Janeiro. Por esse motivo, o Declarante, apesar da resistência, cogitou aceitar as trocas, desde que o substituto do Diretor Geral fosse de sua escolha técnica e pessoa não tão próxima ao presidente.
– Depois, porém, entendeu que também não poderia aceitar a troca do SR/RJ sem causa. A partir de então cresceram as insistências do PR para a substituição tanto do Diretor Geral quanto do SR/RJ.
– Crescendo as pressões para as substituições, o Presidente lhe relatou verbalmente no Palácio do Planalto que precisava de pessoas de sua confiança, para que pudesse interagir, telefonar e obter relatórios de inteligência.
– Perguntado se havia desconfiança em relação ao Diretor Valeixo, o Declarante respondeu que isso deve ser indagado ao Presidente
– O próprio Presidente cobrou em reunião do conselho de ministros, ocorrida em 22 de abril de 2020, quando foi apresentado o Pró-Brasil, a substituição do SR/RJ, do Diretor Geral e pediu relatórios de inteligência e informação da Polícia Federal.
– O presidente afirmou que iria interferir em todos os Ministérios e quanto ao MJSP, se não pudesse trocar o Superintendente do Rio de Janeiro, trocaria o Diretor Geral e o próprio Ministro da Justiça.
– Na quinta-feira, dia 23 de abril de 2020, o Presidente enviou ao Declarante por mensagem de Whatsapp um link de notícia do site “O Antagonista” informando que a PF estaria no encalço de deputados bolsonaristas. E, antes que o Declarante pudesse responder, o Presidente mandou outra mensagem afirmando que este seria mais um motivo para a troca da PF.
– O Declarante ficou apreensivo com a mensagem.
– O Declarante reuniu-se com o Presidente às 9h do dia 23 de abril de 2020, e trataram da substituição do Diretor Geral da Polícia Federal.
– O Presidente lhe disse que Valeixo seria exonerado, a pedido, ou de ofício, e que nomearia o DPF Alexandre Ramagem, porque seria uma pessoa de confiança do Presidente, com o qual ele poderia interagir.
– O Declarante informou ao Presidente que isso representaria uma interferência política na PF, com o abalo da credibilidade do governo, isso tudo, durante uma pandemia.
– O Declarante também disse poderia trocar o Diretor Valeixo desde que houvesse uma causa, como uma insuficiência de desempenho ou erro grave, mas não havia nada disso.
– O Declarante pediu ao Presidente que reconsiderasse, mas que se isso não ocorresse o Declarante seria obrigado a sair e a declarar a verdade sobre a substituição.
– O Presidente lamentou, mas disse que a decisão estava tomada.
– O Declarante reuniu-se em seguida com os ministros militares do Palácio do Planalto e relatou a reunião com o Presidente. A  reunião foi com os Ministros Generais Ramos, Heleno e Braga Netto.
– O Declarante informou os motivos pelos quais não podia aceitar a substituição e também declarou que sairia do governo e seria obrigado a falar a verdade.
– Na ocasião o Declarante falou dos pedidos do Presidente de obtenção de Relatórios de Inteligência da PF, que inclusive havia sido objeto de cobrança pelo Presidente na reunião de conselho de ministros, oportunidade na qual o Ministro Heleno afirmou que o tipo de relatório de inteligência que o Presidente queria não tinha como ser fornecido;
– Os Ministros se comprometeram a tentar demover o Presidente, e o Declarante retornou ao MJSP na esperança de a questão ser solucionada.
– Logo depois vazou na imprensa que o Planalto substituiria Valeixo e que, em decorrência, o Declarante sairia do governo.
O MJSP foi contatado por muitos jornalistas e políticos querendo confirmar, mas que o Declarante entendia que não poderia confirmar, já que tinha esperança de que o Presidente mudaria de idéia.
– Ressalta que essas reuniões eram gravadas, como regra, e o próprio Presidente, na corrente semana, ameaçou divulgar um vídeo contra o Declarante de uma dessas reuniões;
– Nessas reuniões de conselho de ministros participavam todos os ministros e servidores da assessoria do Planalto.
– Perguntado se identificava nos fatos apresentados em sua coletiva alguma prática de crime por parte do Exmo. Presidente da República, esclarece que os fatos ali narrados são verdadeiros, que, não obstante, não afirmou que o presidente teria cometido algum crime.
– Quem falou em crime foi a Procuradoria Geral da República na requisição de abertura de inquérito e agora entende que essa avaliação, quanto a prática de crime cabe às Instituições competentes.