Foto: EDITORA ZAHAR/DIVULGAÇÃO
A escalada autoritária das manifestações a favor do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) — com agressões a jornalistas, pedido de intervenção militar e de fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) — despertou em parte da população a dúvida sobre as chances de o Brasil viver nova ditadura.
O professor de ciência política Steven Levitsky, da Universidade Harvard (EUA) – com pesquisa focada na América Latina e em países em desenvolvimento – acha que as chances são pequenas.
Coautor do best-seller Como as democracias morrem, ele acredita que Bolsonaro representa, sim, um risco, mas esbarra na baixa popularidade e na falta de habilidade política. Mas diz estar preocupado com a proximidade de apoiadores do presidente com grupos armados e com alas militares, que chegaram a falar em guerra civil.
Em Como as democracias morrem, o senhor apresenta quatro indicadores de comportamento autoritário. Bolsonaro se encaixa em algum deles?
Os quatro indicadores são rejeição das regras democráticas do jogo; negação da legitimidade dos oponentes políticos; propensão a restringir liberdades civis básicas de rivais ou da mídia; encorajamento ou tolerância à violência. Bolsonaro se encaixa nos quatro. Isso ficou claro durante a campanha de 2018 e é por isso que era tão perigoso elegê-lo.
Bolsonaro tem 25% de aprovação. O senhor disse que políticos autoritários de outros países chegavam a 70% de apoio popular. Apesar disso, Bolsonaro tem apoio de uma minoria radical. Quais os riscos disso?
Em termos de proteção à democracia, é melhor ter um presidente com 25% de aprovação do que um com 70%. Como (Alberto) Fujimori, (Hugo) Chávez, (Rafael) Correa, (Evo) Morales e (Rodrigo) Duterte, nas Filipinas, mostraram, um presidente com 70% de aprovação pode provocar diversos danos muito rapidamente à democracia. Com 25% é mais difícil. Bolsonaro é mais fraco. Ele não pode convocar plebiscito e fechar o Congresso. Ele não pode reescrever a Constituição. Ainda há riscos, é claro. O Brasil está polarizado e os apoiadores de Bolsonaro têm laços perigosos com grupos armados e alas militares. Então, certamente, Bolsonaro pode provocar danos. Mas é mais difícil para ele — e ele pode, facilmente, falhar e cair do poder.
No livro, o senhor enfatiza a importância dos freios e contrapesos constitucionais para evitar ditaduras. No caso do Brasil, como as instituições têm agido diante de ameaças à democracia?
Penso que o Brasil tem boa chance de evitar a ditadura, em parte porque Bolsonaro é fraco, impopular e politicamente inábil, mas também porque o Congresso e os tribunais continuam sendo instituições fortes. Nada é garantido, especialmente durante esta crise, mas acho que o Brasil pode atravessar.
A pandemia pode contribuir de alguma maneira para a escalada antidemocrática?
Pode. As crises às vezes permitem que os líderes eleitos concentrem o poder autocrático — como vimos na Hungria e talvez em El Salvador. E crises econômicas prolongadas frequentemente minam democracias frágeis. Mas as crises geralmente também enfraquecem governos autocráticos. O fraco desempenho de Bolsonaro em resposta à pandemia o enfraqueceu até agora.
Esta semana, um grupo de militares divulgou carta que falava em “guerra civil”. O senhor vê algum risco de guerra civil no Brasil?
Dado o nível de desigualdade e o crime organizado, há, certamente, um risco de escalada da violência no Brasil. Uma guerra civil de verdade parece menos provável. O que mais me preocupa são as autoridades militares usarem suposta ameaça de guerra civil para justificar maior envolvimento militar na política — como aconteceu em 1964.
O que deve ser feito para evitar que o Brasil entre em uma nova ditadura?
Os políticos democratas, da esquerda à direita, devem se unir em defesa das instituições democráticas e isolar os atores antidemocráticos. Os políticos brasileiros falharam em fazer isso em 2018. Não devem falhar novamente.