sexta-feira, fevereiro 07, 2020

Conselho cobra explicações após Aras atropelar mandatos e mudar estatuto da Escola do Ministério Público


Medida foi vista como interferência para doutrinar a entidade
Julia Chaib
João Valadares
Folha
O conselheiro do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) Valter Shuenquener pediu ao procurador-geral da República, Augusto Aras, que se explique, em até 15 dias, sobre as mudanças que ele promoveu na ESMPU (Escola Superior do Ministério Público da União).
Shuenquener quer ouvir Aras, que comanda o MPF (Ministério Público Federal) e os chefes dos outros três ramos do MPU (Ministério Público da União) — Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Militar e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios — antes de decidir se acata ou não pedido de liminar para suspender o ato que consolidou as alterações na escola.
MUDANÇA NO ESTATUTO – No fim da noite desta quarta-feira, dia 5, o conselheiro decidiu indeferir “por ora” a solicitação de membros da escola para que ele suste a decisão de Aras. Como mostrou a Folha, o procurador-geral da República mudou um estatuto e interrompeu os mandatos em exercício de 16 conselheiros e coordenadores de ensino da ESMPU. O gesto, inédito no MPU, foi visto como autoritário por procuradores e integrantes da escola.
Na representação ao CNMP, órgão presidido pelo próprio Aras, conselheiros e coordenadores destituídos por Aras argumentam que a atitude do procurador contrariou a lei que criou a escola por ter ferido a autonomia do órgão e o estatuto interno da instituição.
NOMEAÇÕES – O chefe do MPF nomeou na terça-feira, dia 4, 16 novos conselheiros e coordenadores, englobando 8 suplentes, da escola, indicados pelos quatro ramos do MPU. O conselho é o órgão máximo e deliberativo tanto em questões acadêmicas quanto administrativas e orçamentárias da escola. Ao mudar o estatuto interno da escola para fazer as alterações, Aras extinguiu a previsão de mandatos.
A norma anterior da instituição, porém, previa que ele só poderia fazer trocar os conselheiros e coordenadores se tivesse o aval do conselho administrativo da escola, o que ele não teve. Essa atitude também foi contestada na representação.
CONTRADITÓRIO – Relator do caso no CNMP, colegiado que avalia a conduta de procuradores, Shuenquener decidiu pedir o contraditório aos quatro braços do MPU “em razão da magnitude do ato atacado, com a finalidade de melhor e mais preciso exame da questão”.
“Indefiro, por ora, os pedidos liminares formulados, sem prejuízo de sua imediata reapreciação após as informações a serem prestadas pelos requeridos”, escreveu o conselheiro na decisão. Caso o relator rejeite em definitivo o pedido de liminar, a representação vai continuar tramitando no conselho e será posteriormente analisada pelo plenário do colegiado.
“OPORTUNAS” – A Folha apurou que há ao menos dois dos 12 integrantes do órgão dispostos a contestar o ato de Aras. Outros conselheiros entendem, porém, que não será fácil o colegiado suspender uma decisão do próprio presidente. Procurada, a assessoria da PGR afirmou que as alterações no estatuto promovidas por Aras “são oportunas por acontecerem num contexto de troca de liderança”.
O subprocurador-geral Paulo Gonet foi empossado diretor da escola na segunda-feira, dia 2. “Com a posse do novo diretor e diretor-adjunto, optou-se pelo retorno à previsão legal original, na qual não há mandato para os integrantes da cúpula da escola.”
Segundo a PGR, a lei que criou a instituição, em abril de 1998, determina que a escola seja diretamente vinculada ao PGR e não prevê mandatos para os coordenadores e conselheiros do órgão. Entre os escolhidos para compor o conselho da escola está Guilherme Schelb, que tem a simpatia do presidente Jair Bolsonaro. O procurador é defensor do projeto Escola sem Partido.
INVESTIGAÇÃO – Aras também nomeou o procurador Sidney Pessoa Madruga como suplente na coordenação de ensino da ESMPU na vaga indicada pelo MPF. Em 2019, Madruga, que atuava como procurador regional eleitoral do Rio de Janeiro, quis encerrar uma investigação contra o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) sem fazer nenhuma diligência.
Durante a posse de Gonet para chefiar a escola, na segunda-feira, Aras ressaltou que o órgão precisa olhar para as “reais necessidades de geração de empregos, de tributos, de construção de paz e harmonia sociais”. Nos bastidores, ele reclamava da linha pedagógica da instituição.
CURSOS CANCELADOS – Nesta quinta-feira, o site da ESMPU publicou uma lista de cursos que foram cancelados ou suspensos para revisão acadêmica ou orçamentária. Entre as classes canceladas, estão as que tinham como tema “o MPU e a diversidade sócio-cultural” e “descomplicando a proteção internacional dos direitos humanos”.
Outros cursos que foram suspensos por tempo indeterminado incluem os que tinham como assunto “Direitos Humanos e Trabalho”, “Prevenção e Combate à Tortura” e “Promoção e Proteção Nacional e Internacional dos Direitos Humanos”.