quinta-feira, outubro 31, 2019

Em depoimento à CPMI das Fake News, Frota diz que Carlos Bolsonaro coordena milícias digitais


Segundo Frota, Bolsonaroo o repreendeu por ter atacado Queiroz
Danielle Brant
Folha
Em depoimento na  Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News nesta quarta-feira, dia 30, o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP) disse ter recebido uma ligação do presidente Jair Bolsonaro (PSL) momentos após discursar no plenário da Câmara defendendo a prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro.
A conversa teria ocorrido no dia 14 de fevereiro deste ano. Na manhã daquele dia, Frota subiu ao plenário e disse: “Eu também quero o Queiroz preso, e aí?”. A declaração se deu em meio a críticas a partidos de oposição como PT e PSOL. O deputado concluiu o discurso com a frase: “E vou falar que laranja podre, no PSL, será esmagada”. Nesta quarta-feira, Frota disse que, logo depois do discurso, recebeu uma ligação do presidente.
DESAFIADO – O deputado afirmou que decidiu falar sobre Queiroz no plenário após o que qualificou como provocação do líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta (RS). “Ele aponta para o meio do grupo do PSL e fala: ‘Quero saber se vocês, depois de todas as notícias sobre o tal do Queiroz, se alguém vai subir e vai pedir a prisão do Queiroz’”, contou o congressista.
“Subi e pedi a prisão do Queiroz. Meu telefone tocou, era Jair Bolsonaro reclamando que eu teria no plenário pedido a prisão do Queiroz”, prosseguiu Frota, que autorizou a quebra de seu sigilo telefônico para comprovar a existência do diálogo. O deputado disse que, na sequência, o filho mais velho do presidente, senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), o abraçou e disse: “Papai ficou chateado com você por você ter se expressado dessa maneira aqui no plenário”.
Em outro episódio, afirmou o deputado, Bolsonaro teria puxado Frota pelo braço em um evento e pedido para ele “calar essa matraca”. A cena foi registrada em vídeo, segundo o congressista. Queiroz é pivô da investigação que foi conduzida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, sobre lavagem de dinheiro, peculato e organização criminosa no gabinete de Flávio no período em que ele foi deputado estadual.
CASO MARIELLE – Frota também comentou reportagem do Jornal Nacional divulgada na terça-feira, dia 29, com base no depoimento de um porteiro do condomínio onde o presidente tem casa no Rio.
Segundo reportagem, o ex-policial militar Élcio de Queiroz, suspeito de envolvimento no assassinato de Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes em março de 2018, disse na portaria que iria à casa de Bolsonaro, na época deputado federal, no dia do crime. Os registros de presença da Câmara dos Deputados, no entanto, mostram que Bolsonaro estava em Brasília nesse dia.
Nesta quarta-feira, o MP do Rio de Janeiro disse que há contradição no depoimento e a entrada teria sido autorizada por Ronnie Lessa, suspeito de executar a vereadora e o motorista.
“ESTARRECIDO” – “Fiquei estarrecido como todos. O Rio de Janeiro é minha cidade, cidade maravilhosa, as pessoas dizem ‘nossa, como o Rio é pequeno’. Eu jamais iria imaginar que o suspeito de matar Marielle morasse dentro do condomínio do Bolsonaro. Não poderia imaginar que o filho namorou a filha do Ronnie Lessa, sargento aposentado da Polícia Militar acusado pela morte da política”, disse.
“A pergunta que não quer calar é: quem atendeu o interfone com a voz parecida e autorizou o carro a entrar? Quem? Essa é a pergunta que queremos saber”, disse Frota na CPMI.
IMPULSIONAMENTO – Ainda na CPMI, Frota disse que Bolsonaro e filhos discutiram, durante um almoço, impulsionamento de publicações pelo Facebook durante a campanha eleitoral de 2018. Frota disse que, além dele, também participou do encontro o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), líder do partido na Câmara.
O congressista afirmou que o almoço ocorreu após uma palestra do presidente. “Nesse dia, houve ali uma discussão entre o Carlos [Bolsonaro] e o Flávio, entre o Carlos e o Bolsonaro sobre impulsionamento de Facebook. Não falaram em Twitter. Não falaram em Instagram. Falaram em impulsionamento de Facebook”, disse.
Em uma série de reportagens desde outubro do ano passado, a Folha revelou a contratação durante a campanha eleitoral de empresas de marketing que faziam envios maciços de mensagens políticas, usando de forma fraudulenta CPFs de idosos e até contratando agências estrangeiras.
DISPAROS – A primeira reportagem mostrou que empresas estavam interferindo nas eleições de 2018 ao comprar pacotes de disparos de mensagens contra o PT no WhatsApp. A disseminação funciona por meio do disparo a números de celulares obtidos por agências.
Segundo Frota, o quartel-general da campanha de Bolsonaro à Presidência era a casa de Paulo Marinho, empresário do Rio de Janeiro que foi um dos principais articuladores da candidatura do capitão reformado. Teriam sido usados os serviços de uma empresa de marketing, a M4.
IDEALIZADOR – “Acho que é de grande relevância a informação do próprio Paulo Marinho, que foi um idealizador ali da campanha do Bolsonaro, que geriu ali a campanha, um gerente da campanha”, disse.
O deputado também foi questionado se avaliava que o suposto esquema de “rachadinha” envolvendo Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, poderia ter sido usado para financiar as milícias digitais que defendem o presidente. “Tudo leva a crer que sim, as investigações caminham para isso, mas ajudou a desestruturar a base do governo, o PSL, o meu ex-partido”, afirmou.
PERFIS FALSOS – Na sessão de quase seis horas, Frota falou ainda sobre os perfis falsos em redes sociais. “Recentemente, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) declarou que existem 1.500 perfis falsos. Acredito que tenha até mais. Acredito que tudo isso que vem acontecendo fere a lei 1.079, que trata do crime de responsabilidade do presidente da República”, afirmou.
Frota sugeriu ainda que os “terroristas virtuais” são pagos com dinheiro público para promover linchamentos nas redes sociais. Aos deputados e senadores que compõem a CPMI, Frota afirmou que o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) seria o responsável por coordenar as milícias digitais que atuam nas redes sociais em defesa do presidente.
“Vem de dentro do Palácio [do Planalto] os três personagens que vieram das redes bolsonaristas, que tiveram oficializada a rede de ataque em ambiente público”, disse, em referência a Tercio Arnaud Tomaz, José Matheus Salles Gomes e Mateus Matos Diniz, grupo de assessores que integrariam o chamado “gabinete da raiva”.
O COORDENADOR – “Quem coordena? Carlos Bolsonaro, realizando reuniões, disparando via WhatsApp os seus comandos”, disse Frota. A sessão da CPMI foi marcada por momentos de tensão. Logo no início, um grupo de dez jovens, alguns com broches do  Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), começou a gritar frases contra Frota enquanto o deputado falava sobre o uso de milícias digitais durante a campanha eleitoral de 2018.
Mais tarde, com quase três horas de sessão, Frota e o deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente e líder do PSL na Câmara, trocaram farpas. Eduardo afirmou que a presença do ex-colega de partido era um “escárnio com a sociedade brasileira” e perguntou ao deputado do PSDB o que passava por sua cabeça.
“O que passa pela minha cabeça só interessa a mim, não a você”, respondeu o parlamentar convidado. Eduardo rebateu e afirmou que Frota era “menos promíscuo quando fazia filme pornô”. “E o senhor assistia muito, né?”, retorquiu Frota. Eduardo deixou a sessão pouco após o discurso e foi chamado de “neném” e “mimado” pelo ex-colega.

FAKE NEWS – Mais cedo, Frota acusou a deputada Bia Kicis (PSL-DF) de espalhar fake news ao disseminar um vídeo em que um suposto integrante das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs ) faria ameaças ao presidente Bolsonaro e se dirigiria ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como “comandante”.
A parlamentar respondeu: “Não postei fake news, postei uma notícia enganosa.” Ao fim, o deputado conversou com jornalistas. Ele avalia que cumpriu seu papel na CPMI.
“Consegui mostrar aqui que existem essas milícias atacando, assassinando as reputações, destruindo nomes, interferindo em processos.”Frota disse não ser favorável à censura, mas defendeu a responsabilização de quem realiza ataques que atrapalham o dia a dia do Congresso. “O Brasil inteiro sabe que nós estamos passando por essa guerra virtual, esse apedrejamento digital”, criticou.