Wilson TostaEstadão
Onde está Fabrício Queiroz? A pergunta que assombra há meses o Palácio do Planalto voltou com força depois que se soube que, em 24 de abril, a Justiça do Rio quebrara os sigilos bancário e fiscal do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), do próprio Queiroz e outras 93 pessoas físicas e jurídicas. O pedido do Ministério Público, obtido pelo Estado, é rico em detalhes – entre eles, os saques de mais de R$ 650 mil feitos pelo ex-assessor de Flávio de janeiro de 2016 e junho de 2018 – e sua aceitação acendeu o alerta no clã Bolsonaro.
Irritado com anunciada devassa em mais de uma década de vida financeira do primogênito, o presidente, que na semana anterior previra um “tsunami” na política, desafiou os adversários a atacá-lo, em lugar do filho Zero Um, segundo ele vítima de “esculacho”.
DISCURSO JANISTA – O Zero Dois Carluxo, diante do ambiente político difícil que ameaça no Congresso a MP 870 – uma derrota que poderia levar à recriação de ministérios –, viu possibilidade de queda do governo paterno.
Na sexta, o presidente divulgou no WhatsApp uma espécie de desabafo. Repetiu o discurso janista – velho de mais de meio século – de denúncia da suposta conspiração dos políticos contra as mudanças que o Brasil precisa. Foi, como observou Vera Magalhães, um flerte com Jânio e Collor, outros dois presidentes cujo relacionamento com o Congresso (e a política) foi tumultuado.
Flavio aparentemente já sabia da tempestade que se avizinhava. Antes que a quebra de sigilos viesse a público, em entrevista a Renata Agostini, protestou contra o que considerou um ataque a seus direitos. O senador insistiu em denunciar o que chamou de vazamentos que teriam por objetivo atingi-lo.
E AS EXPLICAÇÕES? – Mas, desde que o Estado revelou que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) descobrira as movimentações financeiras atípicas de Queiroz, o parlamentar ainda não demonstrou como fará para lidar livrar das suspeitas, lançadas pelo MP, de ligações com supostos malfeitos de seu ex-homem de confiança.
O pedido do MP apontou a presumida ação, no gabinete de Flávio, de uma organização criminosa. Essa quadrilha seria voltada para o cometimento de crimes de peculato (suposto desvio de dinheiro por servidor, no caso de salários de assessores, que teriam sido repassados ao parlamentar, em esquema de “rachadinha”) e de lavagem de dinheiro.
Pior: em seu pedido, acolhido pelo juiz Flavio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio, os promotores relacionam, entre os alvos das quebras de sigilo, pelo menos oito ex-assessores de Jair Bolsonaro, quando era deputado federal. Não se sabe o que pode sair daí.
CONTA DE MICHELLE – O primeiro relatório do Coaf já apontara transferência de recursos da conta de Queiroz para a primeira-dama Michelle Bolsonaro, quando o hoje presidente ainda era deputado. Segundo disse, recebeu na conta da mulher o pagamento de um empréstimo ao assessor.
É certo que pelo menos dez anos de vida política do clã serão devassados, chegando a outros gabinetes da família – e o resultado da operação é incerto.
No momento, tudo que os Bolsonaros precisam é que se fale de outra coisa que não as peripécias financeiras do ainda desaparecido Queiroz – que negou ao MP, por escrito, ter cometido ilegalidades ou irregularidades. A balbúrdia, no caso, favorece uma conveniente mudança de assunto. Nesse contexto, a elevação de tom em declarações e ações do presidente não surpreende. O cérebro de Flavio se chama Jair.