Presidente mantém calculada ambiguidade a respeito das marchas, que criticaram Centrão e STF. Primeiro ato após racha de grupos de direita mostra base ainda fiel ao presidente. Nova manifestação pela Educação está marcada para quinta-feira
O núcleo duro dos bolsonaristas exibiu força neste domingo, nas ruas do Brasil, para defender a agenda legislativa de Jair Bolsonaro e pressionar o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF), acusados de boicotar o presidente. A atitude do mandatário foi calculadamente ambivalente: o Gabinete não participou e o mandatário se desvinculou dos protestos, mas incentivou a mobilização ao postar vídeos de manifestantes no Twitter e manteve a tensão com os demais Poderes. Depois de sair do culto evangélico que frequenta, Bolsonaro declarou que a “manifestação espontânea” era um recado “para aqueles que, com suas velhas práticas, não deixam que o povo se liberte”.
Dezenas de milhares de pessoas marcharam em 156 cidades dos 26 Estados, segundo a contabilidade do portal G1, duas semanas após a primeira grande manifestação popular contra o ultradireitista, que protestou contra os cortes de verba para o Ministério da Educação. Em 15 de maio, os atos anti-Governo mostraram mais capilaridade, em alguns locais, mais força. Em plena quinta-feira laboral, aconteceram em 222 cidades, refletindo a queda de popularidade do Planalto. Como revelou o EL PAÍS nesta semana, pela primeira vez os brasileiros que opinam que a gestão Bolsonaro é ruim ou péssima (36%) são mais numerosos que os que a consideram boa ou ótima (29%), segundo pesquisa da consultoria Atlas Político.
As manifestações reuniram milhares vestidos com as cores da bandeira, um dos símbolos da direita anti-PT que ganhou as ruas desde 2015, mas não contaram com o apoio dos principais movimentos que fizeram campanha para tirar Dilma Rousseff da presidência, como o MBL (Movimento Brasil Livre) e Vem Pra Rua. O caminho de fustigar diretamente as instituições e flertar com teses antidemocráticas dos “bolsonaristas puros” desagradou inclusive esses coletivos e acabou por forçar um racha na coalizão direitista que elegeu o atual presidente. O mal-estar com a jornada atípica de manifestações apareceu no editorial da Folha de S. Paulo, que advertiu que “protestos a favor de quem detém o poder (…) com frequência objetivam enfraquecer os mecanismos de controle que impedem o chefe circunstancial do Executivo de atuar como se fosse um imperador.”
“Bolsonaro mobilizou um número expressivo de pessoas. O que resta ver é se, a partir disso, ele conseguirá mobilizar mais gente ou se esse é o limite do ‘bolsonarismo puro”, analisou Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP e que pesquisa regularmente a opinião de quem vai às ruas no país desde 2013. No Twitter, outro campo de batalha estratégico do presidente, a guerra de hashtags começou antes do início dos atos e seguia noite adentro com os comparativos e fotos que mostravam, a depender do emissário, a força ou o fracasso dos governistas. “Essa disputa narrativa indica que as manifestações tiveram um tamanho intermediário. Quer dizer, não foram um fiasco, mas também não foram um sucesso absoluto”, acrescenta Ortellado.
Os discursos dos manifestantes
Os protestos foram convocados de maneira difusa nas redes sociais, especialmente por grupos de WhatsApp, uma ferramenta bem dominada pelo bolsonarismo, sem um único lema, e sim com palavras de ordem diversas. Incluindo algumas que, amparadas na reivindicação de se livrar para sempre da velha política, exigem explicitamente o fechamento da Câmara, do Senado e do STF, intérprete final da Constituição. Beth Pinhate, uma funcionária de 65 anos, compareceu a uma manifestação em frente à sede do Congresso, em Brasília, justamente para exigir isso e defender o presidente. “É preciso fechar o Congresso e o Supremo porque são todos vagabundos”, disse. “Fazem tudo mal, nada bem. Se fecharem o Congresso, o país vai para frente.” Eis a receita dessa ex-funcionária para tornar realidade a radical renovação política que o ex-militar prometeu na campanha.
Na Avenida Paulista, em São Paulo, os manifestantes ocuparam seis quarteirões (três deles lotados), com cinco carros de som, e acabaram, em geral, adotando a linha sugerida por Bolsonaro durante a semana: nada de propor explicitamente a eliminação de outros Poderes. “O Supremo precisa existir, mas deve ter regras. Precisa ser justo com todos e não apenas a favor da minoria”, afirmou a professora Nilma de Oliveira, de 50 anos, na Avenida Paulista. “O Supremo está vendido, tem umas laranjas podres lá que acham que, com esse novo Governo, continuarão com o domínio”, acrescentou Daniel Reis, designer gráfico de 41 anos. Apesar dos discursos anti-corrupção, os ouvidos avaliaram como fake news, e não como problema, o escândalo envolvendo o senador Flávio Bolsonaro, investigado por suspeita de lavagem de dinheiro em transações de imóveis atípicas e suposta captação ilegal do salário de auxiliares.
Além do clã Bolsonaro, marcam pontos positivos na jornada o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, o mais bem avaliado do Governo, que ganhou até um boneco inflável gigante como super-homem, e até o seu colega da Economia, Paulo Guedes. Os manifestantes exigiram nas ruas a aprovação imediata do pacote de leis idealizado por Moro para combater o crime e a corrupção e também que os deputados apoiem a reforma da Previdência, uma lei impopular, amplamente adiada e que é urgente para atrair investimentos e oxigenar a economia. “Eu sou aposentada, mas continuo trabalhando para pagar minha contribuição e ajudar a pagar a aposentadoria dos que hoje são jovens. Não estou aqui por interesse próprio, estou aqui para garantir os direitos das gerações futuras. Por isso, precisamos das reformas do presidente Bolsonaro”, disse Andrea Ferraz, de 62 anos, que atua como gestora de hotelaria, na av. Paulista.
O cerne dos discursos sempre ecoou o mote lançado pelo próprio Bolsonaro, que na semana passada difundiu um texto cujo autor qualificava o Brasil como “ingovernável” e apontava o dedo para as “corporações” que dominam o Congresso, o Judiciário sem nem sequer poupar as Forças Armadas das quais ele fez parte. “Bolsonaro continuará tensionando, estabelecendo uma dinâmica de antagonismo com as velhas elites, mas não a ponto de romper com as instituições democráticas, como o Congresso”, aposta o professor Ortellado.
O fato de Rodrigo Maia, presidente da Câmara, ter se transformado num alvo preferencial das críticas das ruas faz que os parlamentares projetem ainda mais tensão na relação do Congresso com o Planalto, independentemente da aprovação das mudanças da Previdência, que contam com o apoio de Maia. Os atos pró-presidente, que venceu as eleições com folga, não devem amainar as suas crescentes dificuldades para consolidar uma base de apoio estável e, devem, inclusive, dar mais fôlego ao sonho dos caciques partidários de tentar isolar o Planalto e implementar um “parlamentarismo branco”, definindo a agenda do país.
O presidente comentaria mais longamente sua estratégia para o Parlamento em no último ato da operação desta jornada: uma entrevista ao jornalístico dominical da TV Record, a emissora aberta mais próxima do bolsonarismo. “Centrão virou um palavrão. A melhor maneira de mostrar que não tem motivo de satanizar esse nome é ajudar a votar aquilo que interessa para o Brasil. Agindo dessa maneira, haverá reconhecimento por parte da população”, cobrou o presidente.
Com a economia dando sinais de problemas —nesta semana, será divulgada a primeira prévia do PIB do atual Governo—, Bolsonaro terá ainda que lidar com uma máquina estatal sem dinheiro. O presidente decidiu destinar verba para a Educação para tentar amenizar o congelamento dos recursos do orçamento para a área. Mas nem isso nem seu discurso algo mais ameno com os estudantes que protestara em 15 de maio ( ele disse ter “exagerado” ao chamá-los de “idiotas úteis”) devem ser suficiente para desmobilizá-los. Alunos e professores já têm data para ir à ruas de novo, convocados pela UNE (União Nacional dos Estudantes). Será na próxima quinta-feira, dia 30.